31/10/08
ouço o teu nome ao telefone, e
ninguém responde.
esqueço
a razão desta hora, deste ouvido
imóvel
na brancura de vidro,
que boca foi
a voz
igual à tua voz, e quase
como crescia a terra, a
inabitável,
como movia a água,
como ardia no chão de pedra nua,
como nas fontes brancas se perdia.
António Franco Alexandre, In "Poemas", Assírio
& Alvim, 1996, p 187.
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29/10/08
26/10/08
Opto pela visão do desejo
quando te espero no térreo jardim da manhã.
A viagem inscreve na cabeça
a magia da encruzilhada.
O resplendor da lua promete
neste encontro o brilho do fascínio,
alguns despojos breves na folha de papel,
a alma, o sortilégio,
a divina confluência dos rios que iluminam
o júbilo e a sombra da existência.
Sinto esta cidade densamente povoada
de ocres e azuis,
as árvores inclinam-se para o princípio do mundo,
a música que passa é essa transparência
de um enigma vivo,
a luz fragílima de um sentido brutal,
anterior a nós.
O verde ao longe é a solidão do mundo,
o feitiço das ruas esse fogo perpétuo,
a rosa nos teus olhos o augúrio da água
de que nascem as fontes e se incendeia a terra.
Pelo destino do mar regresso a esta pedra,
sob a sombra das aves celebro o sol e a lua,
nesta cidade me perco e me encontro,
novilho da impaciência e da carícia.
Amadeu Baptista, In "Arte do Regresso",
Campo das Letras Editores, Porto, 1999, pp. 22-23.
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22/10/08
Poetas
A baía de Kapsali vista da cidade de Chora na ilha de Cítera (Grécia)
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Entre as falésias, o rápido aguaceiro nos crivou a bom-
....................................................bazina do casaco. Água?
....................................................Rolada espuma do equi-
....................................................nócio.
De quase nada significa um abrigo para nós: a vida
..................................................que temos se rói, rói o cal-
..................................................cário ou a madrepérola,
..................................................faz-se de estrume.
Volta-se aos lençóis, ao aroma das loções matinais.
D. Manuel inventou um estilo de pedras como nós la-
vradas e solitárias e unidas.
A um poeta só o rigor se pede, a correcção jamais.
Perguntaram-lhe as horas, e vacila.
Há quem saia sem se despedir, quem apenas ria, nos
..................................................toque no braço, nos deixe
..................................................um afago na nuca.
Há quem quase tristemente nos deseje boa sorte.
Mas a cidade alastra para além destes gestos. Multipli-
................................................ca-se em rails e deflagrações
................................................de rolas. Crispa-se em vaga-
................................................rosa e surda duração.
Mário Cláudio In "Terra Sigilata", &etc, Lisboa, 1980,
pp. 25-26.
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Entre as falésias, o rápido aguaceiro nos crivou a bom-
....................................................bazina do casaco. Água?
....................................................Rolada espuma do equi-
....................................................nócio.
De quase nada significa um abrigo para nós: a vida
..................................................que temos se rói, rói o cal-
..................................................cário ou a madrepérola,
..................................................faz-se de estrume.
Volta-se aos lençóis, ao aroma das loções matinais.
D. Manuel inventou um estilo de pedras como nós la-
vradas e solitárias e unidas.
A um poeta só o rigor se pede, a correcção jamais.
Perguntaram-lhe as horas, e vacila.
Há quem saia sem se despedir, quem apenas ria, nos
..................................................toque no braço, nos deixe
..................................................um afago na nuca.
Há quem quase tristemente nos deseje boa sorte.
Mas a cidade alastra para além destes gestos. Multipli-
................................................ca-se em rails e deflagrações
................................................de rolas. Crispa-se em vaga-
................................................rosa e surda duração.
Mário Cláudio In "Terra Sigilata", &etc, Lisboa, 1980,
pp. 25-26.
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18/10/08
"Tu Voz"
Emboscado en mi escritura
cantas em mi poema.
Rehén de tu dulce voz
petrificada en mi memoria.
Pájaro asido a tu fuga.
Aire tatuado por un ausente.
Reloj que late conmigo
para que nunca despierte.
Alejandra Pizarnik In "La extracción de la piedra
de la locura. Otros poemas.", Ediciones Corregidor -
colección Visor de Poesía, Madrid, 1999.
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