27/02/09


Luto por existir
num lugar
onde a luz nasce.
Procuro as fontes do dia,
florestas azuis,
um oásis que amanhece.
Estou num limbo
entre o nada
e uma incorruptível Primavera.
Aí colho as palavras
uma a uma,
leves e insubmissas
como a espuma.
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Maria João Fernandes In "Dias de Seda/Jours de Soie" (livro bilingue),
Prefácio de Robert Bréchon, Apresentação de Eugénio Lisboa, Pinturas
de Júlio Resende, Caixotim Edições, Porto, 2003, p 63.
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25/02/09


Sacré-Coeur!


Sacré-Coeur!
je te vois
Ô Biberon
avec ta grosse tétine en forme de croix

Sacré-Coeur!
mais vous êtes sept biberons!
je vous aperçois très bien du bas de la pente
square Saint-Pierre
trois petits biberons
trois moyens biberons
et un gros

C'est le soir
la gloire du ciel s'écarte
pour que les anges viennente téter
trois petits biberons
trois moyens biberons

Mais toi
gros biberon
tu es pour l'Enfant Jésus
ah!
puisse-t-il na pas se blesser les lèvres
sur ta tétine en forme de croix

Jacques Roubaud In "La forme d'une ville change plus vite,
hélas, que le coeur des humains", Poésie-Gallimard, Paris, 1999, p 35.
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23/02/09





Anjos e demónios caminham nos nossos jardins e
batem-nos à porta.
O que fazer?
Lançar-lhes pedras como aos cães vadios ou
convidá-los à nossa mesa?
Ouvir as histórias que eles trazem nos dedos é
como entrar de costas num espelho e afogar-se
assim no desconhecido que se atravessa.



Lídia Martinez In "Cartas de Pedro e Inez - o mel do meu
consolo", Ulmeiro, Lisboa, 1994, p 40.

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22/02/09




O caule épico do agapanto
ergue-se desmedido do púbis de espadas
até à umbela de grinaldas na glande
que o coroa majestático e trágico.

Não o visita já o vento, não o estiola,
ninguém mais o dobra, nem a resolução
depois
de quebrados os vasos.

Imperturbável como um deus entre deuses
com ninguém copula
porque lhe colheram o ápice quando tentou
falar, votando-o a uma castidade sem igual,
mudo e sem memória.

É alto e triste e só,
apesar de sexual, belo mas inútil
porque ocupa o seu embotado reino
vizinho de ângulos e vértices e pontas,
demarcado por fragmentos e vidros e ferros.

Reina rombo sobre quem
não rompe:
sobre quem agulhas toldam e deprimem
com sua sombra incisiva.

Daniel Jonas In "Os Fantasmas Inquilinos", Edições Cotovia,
Lisboa, 2005, p 47.
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Nova Zelândia, foto de Juan Carlos Muñoz


Esperança minha, is-vos:
nam sei se vos verei mais,
pois tam triste me leixais.

Noutro tempo ua partida,
qu'eu nam quisera fazer,
me magoou minha vida
quanto eu nela viver.
Desta já quê posso crer:
que, pois qu'assi me leixais,
é pera nam tornar mais.

Após tamanha mudança
ou desaventura minha,
onde vos m'is, esperança,
vá-se todo o mais qu'eu tinha.
Perca-s'assi tam-nasinha
tudo, pois que nam olhais
quam tarde e mal me leixais.

Bernardim Ribeiro In "Cancioneiro de Garcia de Resende", V, 272-3.

(Nota - magoou - o termo está aqui próximo do seu sentido originário
- MACULARE -, imprimir nódoa, deixar um sinal; já quê - alguma
coisa, isto; tam-nasinha - tão depressa. O n resultaria de um desdobramento
da nasal ou de uma assimilação: tan d'asinha, a melhor forma seria talvez
tãnasinha).
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21/02/09




Quanto, quanto me queres?, - perguntaste
Numa voz de lamento diluída;
E quando nos meus olhos demoraste
A luz dos teus senti a luz da vida.

Nas tuas mãos as minhas apertaste;
Lá fora a luz do sol já combalida
Era um sorriso aberto num contraste
Com a sombra da posse proibida...

Beijámo-nos, então, a latejar
No infinito e pálido vaivém
Dos corpos que se entregam sem pensar...

Não perguntes, não sei, - não sei dizer:
Um grande amor só se avalia bem
Depois de se perder.

António Botto In "Canções e Outros Poemas", Quasi Edições,
Vila Nova de Famalicão, 2008, pp 59-60.
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20/02/09



E se tu não existisses? Se apenas fosses
um secreto lugar onde se escondem as montanhas?
Se ninguém fosse teu, como da terra os oceanos
e os lugares, os dons da luz e da cor?
Poderias ser como o oco das máscaras e dos falsos ocasos
a vulgar penumbra dos lugares e dos rostos indescritíveis
um sorriso pleno aos lugares dos corpos
rio paralelo duma ponte sem margens, sem dor
sem força. E se tu não existisses? Poderias ser
apenas sorriso que se fizesse em lugar reservado
um olhar por entre os corpos que se movimentam
num recinto de dança, entre abraços de ocasião.
Se apenas fosses esse lugar, talvez que os teus olhos
se tornassem azuis de tanto serem verdes. Sorrir-me-ias
com o mesmo encanto, com que teus lábios suavíssimos
se me sorriam, pois longe está o corpo do homem próximo
como perto, está o meu de beleza indómita e selvagem.
Lembrei-te, porque, se existisses, eras meu corpo
nesta terra de alegria. E como é triste esta terra
de alegria-assim, réstea de um lugar onde se vêem
os olhos, que, de tão sedentos, cegos são.

José Manuel Capêlo In "Odes Submersas", Átrio,
Lisboa, 1995, p 35.
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18/02/09

Foto tirada por Laurie Campbell, uma fotógrafa profissional da natureza.

não tragas aqui a tua tristeza
não a movas não a demores
não lhe dês outra ilha
que essa vertigem
há-de morrer-te nas mãos

não tragas aqui a tua tristeza
a menos que queiras
um rasgo na tua boca
uma porta acidentada
para a colheita do silêncio

a menos que me ames neste poema
e fiques comigo até entardecermos
no recuo delicado do verão

Daniel Gonçalves In " dez anos de solidão", Editora Labirinto,
Fafe, 2007, p 64.
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16/02/09


havia cinco macieiras, com folhas escuras e troncos da cor do carvão,
e uma nascente com um fio de água salgada, a vir do fundo da terra.

o botão da luz do sol estava desligado naquele lugar e a criança teve
medo de cair

eu caio, eu caio.
nunca se cai do céu para a terra
a terra tem lugares mais altos do que uma criança pode imaginar.
eu já caí do céu para o mar e também da terra para a terra, e tu, quem és?
eu sou a sombra da montanha e sou o vento a querer assustar uma menina.
o vestido parecia um balão cheio de ar e uma macieira partiu um galho.

a criança ficou com um susto grande porque as sombras não têm olhos
para se verem.

Isabel Aguiar Barcelos In "nunca se regressa ao mesmo lugar", Quasi Edições,
V. N. Famalicão, 2003, p 36.
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14/02/09


C'est à Lefteris que je veux être. Dans la coloration diverse
de sa petite plage. Dans son air sauvage qui s'accorde
avec toi quand tu émiettes les feuilles de tabac,
absente, et les mélanges avec ce que tu achètes toujours
dans le marché agité de Potamos.
Ágios Lefteris, écris-tu, avec un couteau
sur une des planches du sol sous l'auvent.
Celle avec laquelle je naufrage en moi même inventant
des chemins jamais représentables, tu écris des sens
dont nous ne parlons pas. Ou alors c'est de nous que tu traces
.
une brève et rigoureuse ébouche. De cette vocation translucide
qu'est la nôtre por apaiser les mots devant être sacrés
que nous trahissons si souvent dans l'épineuse grammaire
des affects. Avec une petite bûche tu remues les galets
près de la ligne d'eau et le silence est une plaine
subitement et félinement attrapée par le désir. Le désir.
Non l'aveugle impulsion sans source ni direction, mais
cette avidité infinie d'être l'autre, comme une chose à nous
qui nous prolonge et nous individualise, bien loin de l'être
gratuit, qui, devise de ce temps, tue autant de gens
.
sans contours ni aliment. Le desir.
Le battement de mes veines au combat avec
le dérèglement de l'âme. Notre agréable tourment
devant l'immensité de la mer et le déclin du soleil
(ce n'est qu'à Lefteris qu'il y a un tel coucher du soleil!),
tandis que ton svelte corps escalade gaillardement la maison
et riant et rigide ressurgit avec la voix lumineuse
d' Angélique Ionatos derrière toi: Lygmos Aggelon.
C'est une chanson qui parle du sanglot transi des anges.
Une chanson qui parle de ces sanglots, de ce prétexte
.
pour que nous liberions nos oiseaux et avec eux chantions
sous les fenêtres qui insistent pour se fermer devant nous.
C'est à Lefteris que je me veux, j'y suis bien décidé!
Lieu du plus admirable éblouissement, des plus
inexprimables signes en moi, attentif et dépouillé.
Mais, entre temps, tandis que le temps existe encore et ne resiste pas,
toi qui es là et me séduis, mets de nouveau la chanson
qui parle des sanglots des anges, la voix irrésistible
de Ionatos et, de tes gestes décidés, ouvre-moi
avec douceur la fenêtre, le corps, la mort pressentie.
.
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D'aprés "Em Lefteris" de Victor Oliveira Mateus, traduit par Huguette Rodrigues
(le 24 Janvier 09)
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13/02/09


"Cantiga, Partindo-se"
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Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
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Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
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Partem tam tristes os tristes,
tam fora d'esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
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João Roiz de Castelo Branco (Séc. XV) In
Antologia "Os dias do amor", Ministério dos Livros
Editores, Parede, 2009, p 64.
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10/02/09


(Vejo passar gente monstruosa através
da montra do café. Pesadelo.)
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Alguns destes monstros
já nasceram como os vejo de mordaças de pano cru,
açames de gelo,
simulacro de dentes com fome (chora-se melhor assim),
silêncio por fora das palavras de que ninguém já sabe o sentido
sem desterro.
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Outros entraram nas escolas
de bocas ainda livres
- mas logo corriam os senhores professores com agulhas enfiadas de treva
a coserem-lhe os lábios
com teias de aranha.
E ai de quem não desaprendesse
que os números têm a cor misteriosa dos dedos
- e fechem por favor as crianças nos quartos às escuras,
ensinem-nas a sonhar
a instrução primária dos cárceres
(contanto que não sonhem alto).
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Os mais velhos,
esses operam-se,
substituem-se-lhes as cordas vocais
por guitarras de açúcar ardente,
enquanto se colam nos lábios dos ditadores
mecanismos com espelhos para darem a ilusão do diálogo,
e pequenos aparelhos transparentes de repetir ecos.
.
Outras vezes encosto-me
à porta do café
à espera do Carlos ou do Fafe
contente de haver raparigas luminosas nos intervalos,
todas tão ágeis nas suas mordaças de cetim implácido
tules de voos mentais,
filtros de véus de mel
a cheirarem tão bem a palavras lúcidas
atravessadas de risos e saliva.
De vez em quando
apetece-me quebrar os vidros do café
e perguntar aos monstros
(por gestos, visto as próprias palavras já serem mordaças):
como conseguem comer
com dentes de algodão em rama?
E onde aprenderam a sorrir assim
com gengivas forradas de sedas de punhal
e arame farpado nos bocejos?
- como se as mordaças tornassem o mundo mais azul
e as línguas beijassem melhor
fechadas em redomas de cristal.
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Agora só falta amordaçar o resto,
o vento, os pássaros, as fontes, os vulcões, o fogo,
as maçãs, os oboés, os tufões
a desordem do sonho.
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A desordem, sim. Porque a desordem já começou - informam os jornais
com alarde de tinta inquieta.
A desordem que vai destruir os tijolos do sono
nesta cidade
construída de perfumes mortos
e materiais de luz
por arquitectos que usam principalmente a argamassa do sol
traçada de céu vivo
na construção de cofres subterrâneos dos Bancos Loucos
onde os poetas guardam o ouro das nuvens dos poentes
para as reformas na velhice.
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Sim. Garantem-me e eu confirmo,
graças aos sinais secretos que aprendi para furar mordaças
(ai dos poetas que não rasgam mordaças nem pedras!)
que já começou a desordem.
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Mas uma desordem tão compassada e grave
que, pela primeira vez, não me apetece gritar
com os outros,
os que só agora repararam nas mordaças
e deixaram de ouvir
os violinos de viverem mortos,
como quem pede desculpa de haver relâmpagos e trovões
- a falsa linguagem dos gigantes nas alturas
que faz tremer o mundo
quando se torna humana.
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Mas não assim, nas bocas cerradas à força com adesivos
destes pobres anões montados em sombras de burros espectrais
que apodrecem amordaçadamente dos cascos às crinas
e mesmo quando zurram não arreganham os dentes
para acordar o marasmo do pântano
onde os combates continuam e continuarão até à última caveira do sol,
- só com furor de ecos
em busca de lâminas
nas manhãs desistentes.
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José Gomes Ferreira, Poema I de "Grito Plural"
In "Poesia V", Liboa, 1958.
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Foto sem título. Autor: Nuno Fernandes.


"The Encounter"


A hand was resting on the table in front of me in a sleepy
fist. Suddenly it flipped on its back and opened its fingrs as
if asking to have its palm read.
But as I looked into its lines it suddenly flew up and
slapped my face.
I began to cry...
Then this same hand lifted and began to wipe my tears
away...

Russell Edson In "O Espelho Atormentado", Ovni,
Entroncamento, 2008, p 154.

(Tradução de Guilherme Mendonça:

"O Encontro"

Uma mão fechada, em frente a mim, dormitava sobre a
mesa. Voltou-se subitamente e abriu os dedos como se me
pedisse para lhe ler a palma.
Mas, enquanto lhe observava as linhas saltou subitamente
e deu-me uma bofetada.
Comecei a chorar...
E essa mesma mão levantou-se e limpou-me as lágrimas
do rosto...

Russell Edson, op. cit., p 155. )
.
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07/02/09


Que sei eu do vento que, impetuoso e assertivo, nas suas franjas leva
os frutos apodrecidos, os galhos dos arbustos, os nodosos ramos há muito
espalhados pelo chão? Que sei eu desse furor com que adverte os barcos
e confunde os portos; com que dispersa as nuvens e a tempestade agiganta
no justo sítio onde o lodo se concentra e as algas se entrecruzam, para
a sôfrega destruição das ondas? Que sei eu do vento tão falho que sou

de alento, tão inseguro... privado de instrumentos que das coisas me
limpem seu traiçoeiro parecer? Que sei eu dele, quando à noite, cansado
de ser vento, completamente esgotado pelos trabalhos a que a distracção
dos deuses o votou, se recolhe às furnas desta margem, com seu corpo
de vento, suas mãos de argila, seu olhar a pedir fim? Dantes, quando eu era
menino, escondido na gabardina de meu pai, julguei-o pela frieza que me

deixava no rosto, pelos meus pés enregelados se acaso atravessava as quintas,
o regueirão, o lamaçal que a inépcia da vizinhança insistia em não remover.
Depois, nos meses do sufoco, o vento chegava em vergastas de fogo
aos meus pulmões ameaçando já ruína; era uma fogueira a estampar o medo
na face de minha mãe, com a estridência da sirene a devorar as ruas;
as mulheres de branco a correr e um fino tubo a raspar-me o nariz.

O vento era então o que mais tarde li em Thomas Mann: uma dor
na clavícula, outra mais abaixo, a saliva pegajosa na garganta, o sangue.
E vinha então outro vento, mas em altas e esguias garrafas, trazidas por
homens com máscaras esverdeadas, que de mim logo fugiam como de gafo
a quem sobravam dias. Que sei eu do vento se nunca nos encontrámos
verdadeiramente, mas tudo foram acidentes, resquícios de julgar ver,

refracções, imagens distorcidas, intuições à deriva, como à deriva eu
já refeito, pelas veredas abaixo? Mas agora, agora vejo-o de novo
do outro lado da vidraça, a zurzir a falésia, a beijar a praia em frente,
a vir ao varandim para me espreitar, como se nunca me tivesse
visto, porque - e pensando bem - que sabe de mim o vento?


Victor Oliveira Mateus In "A Irresistível Voz de Ionatos", Editora Labirinto,
Fafe, 2009, p 37 (Posfácio de Cláudio Neves e texto de contracapa de Olga Savary).
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05/02/09

" A Ilha de Jade"


1.
De céu a céu
contempla em chamas verdes
desertos de água.

2.
Apagam sóis
veredas que a cinza cerca
nas dobras do coração.

3.
De 'strelas coroada
enfíngica repousa a noite
no fundo dos vulcões.

4.
Amanhecidas brumas
esbatem pelos cumes a emurchecida
flor do mal.

5.
No dedo frágil os-
tentam o ardor que o jade esfria
à sombra do jasmim.

6.
Aromáticos, nocturnos,
em suas camisas de ramagens esperam
cair de novo em tentação.

7.
Contra a nudez
do bosque enfermam então perdidas
luas, de mel.

8.
Esborratam cerros
de água, as cabras que o vento
em lava afixou.

9.
Ao mar atidos
como lobos fisgam a morte:
o lanço com cautela.

10.
Escalando escostas
descem à terra, provam da ira
o oiro dos vinhedos.

11.
Enamoradas virgens
entre heras, com fraguedo nu,
se deitam as ribeiras.

12.
Do vale aos cimos,
acordam a luz que a mão bordou
na fímbria das marés.

13.
Silvam nos renques,
voam, imóveis como o funcho,
à sombra do penhasco.

14.
Decapitados pela sede,
no copo vencem a medo tormentas
e naufrágios.

15.
Criou Deus então
a ilha, e o nácar lhe deu corpo
de navio, e de mulher.

Vergílio Alberto Vieira In "O Voo Da Serpente",
Campo das Letras, Porto, 2001, pp 33-47.
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04/02/09




as asas as nossas mãos o divino céu...
louvo-te de joelhos sem saber da dor da vida...
o vazio nas mãos as linhas o destino...
juntos o mar os lagos os rios...
e cada gota cada nota cada dó...
é luto é alma é cinza...

o beijo dos teus lábios são os meus
perdidos em ondas de espuma
que esperam da tua boca estonteados
os beijos teus ainda

ó no meu peito floresce uma hora
que perco e ganho quando os cílios toco
estremece-me o corpo inacessível a outro
diamante vermelho triunfante

Henrique Levy In "Intensidades", Europress,
Odivelas, 2001, p 38.
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02/02/09


"Palavras"
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Machados,
Após cada pancada sua a madeira range,
E os ecos!
São ecos que viajam
Do centro para fora como cavalos.
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A seiva
Brota como lágrimas, como a
Água a esforçar-se
Por recompor o seu espelho
Sobre a rocha
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Que pinga e se transforma,
Uma caveira branca
Comida pelas ervas daninhas.
Anos mais tarde
Encontro-as no caminho -
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Palavras secas e indomáveis,
Infatigável som de cascos no chão.
Enquanto
Do fundo do charco estrelas fixas
Governam uma vida.
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Sylvia Plath In "Ariel", Relógio D'Água,
Lisboa, 1996, p 173.
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