31/12/10

ENTÃO ATÉ PRÓ ANO... COM MUITO SOLZINHO NAS IDEIAS!!!

HÁ QUEM NÃO GOSTE DELE, HÁ QUEM SE ASSANHE SÓ PORQUE OUTROS GOSTAM E
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HÁ OS QUE SE ESTÃO NAS TINTAS PRÁ "POLÉMICA".. POIS EU CÁ GOSTO DELE, SIM
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SENHORI!!! VIVÓ DITO CUJO... PÔR-DO-SOL!!! E, PARA QUEM PASSAR POR ESTA RUA,
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UM BOM 2011!
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29/12/10

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   (não esqueça)
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não esqueço
mesmo que a palavra seca inverta
a duração lépida sílaba, adorno
para mãos ásperas desveladas
via estreita vida imóvel
livre de ondulações celeradas, palmas
não esqueço
um olhar sobre outro olhar, olhados e desfiados,
covardia aberta e sem pai, alguém morrendo mudo
se desfibra, um pai
que hesita, mas vem
despido de raízes, as mãos cortadas
mas vem, negligente e destraído
.
quem
iria se lembrar?
quem poderia guardar
o vento nos cabelos?
.
Não esqueço
e esse meu sonho
é quem me governa
morte e desterro
duração e desvio.
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José Rodrigo Rodriguez in "Meus Seios", Nankin Editorial, São Paulo, 2005, p 178.
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28/12/10

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  "Cidade"
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É meio dia
noite,
só vejo a falta
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azul inverno
recobre a cidade, conto
as paredes que se enovelam
desvio
o corpo da mesa
que me ataca.
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sol
aqui estão meus olhos
prontos para voltar
.
a boca aberta
a copa de frutas ácidas
dentes cerrados, pés
que só querem explodir...
.
pois nunca houve país algum
as cidades previstas
não se completaram
- cartas devolvidas -
o espaço entre
os caninos
corta o imenso rosário
de promessas encadeadas.
.
Quero minhas palavras de volta!
.
Se houvesse mesmo uma cidade,
seria este o momento
para vê-la:
estou quieto e atento
qualquer gesto lançado
fora
qualquer aceno
faria soar
esta dor que me dissimula
este instante que quero louvar
.
seria este o momento certo:
visto a paisagem que me desata
como uma camisa de notas cercas
familiares, avulsas, sons
automóveis, aviões,
palavra nome, palavra chão
não tenho mais dentes para gastar.
.
Tudo está quieto, mas
como um espelho límpido
que devolvesse as palavras
sem tocá-las
que espalhasse as memórias
sem revê-las
rotina de impulsos
sem mácula
.
um centro único rarefeito
raios de Lua
sobre as idades
pulsar
carne turva
que me devolve
a sua metade tíbia
.
olho para cima
e sonho inverso
numa cidade cerrada
- a ante-sala da vida -
osso de galinha
engasgado
na garganta.
.
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José Rodrigo Rodriguez in " Meus Seios", Nankin Editorial, São Paulo, 2005, pp 113 - 115.
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27/12/10


"Nada do que é humano me é estranho"
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Não é uma sensação agradável
ser habitado por mortos que não conheci
ser habitado por todos os mortos
nada do que é humano me é estranho.
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Onde faz Sol? Em que planeta?
O fio da palavra se estende
comprido
tecendo as nuvens,
árvores, alamedas
.
tecendo as nuvens,
árvores e alamedas...
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Meus olhos
conforme o desejo,
riscam na pele
um beijo
ou um corte
navalha nos ares
decepando a luz
tronco, membros, claridade.
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Alguém passa, um canto,
há uma flor sobre a mureta,
um cachorro morre e crianças,
currupio de bicicletas. Amigos
que chegam, amigos que sofrem,
pastéis, sopa de letras e nachos
cada minuto, cada segundo,
nada do que é humano
me é estranho
.
nada do que é humano
me é estranho
.
nada do que é humano
me é estranho
.
nada
.
nada
.
nada
.
... uma pedra pesa
e sem recompensas
.
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José Rodrigo Rodriguez in "Meus Seios", Nankin Editorial, São Paulo, 2005, pp 38 - 39.
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26/12/10

Sergio Rocca lê a Invocação de Safo a Afrodite.

(Ver a minha tradução do mesmo poema aqui neste blogue).

25/12/10

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   "Homem-bomba"


O poeta é um terrorista.
Age tão obliquamente
que, para não dar na vista,
se declara indiferente

à economia e à política.
O leitor desavisado
recebe e espalha, sem crítica,
o texto contaminado.

E assim, atacando à sombra,
como um hacker sem pudor,
nos sabota esse homem-bomba
que chamamos de escritor.

Marco Catalão in "O Cânone Acidental", É Realizações Editora, São Paulo, 2009, p 40.
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   "Balada de Ismália"


Quando Ismália alucinou,
pôs-se na sacada a olhar...
Viu os aviões em vôo,
do alto do décimo andar.

Na bad trip em que embarcou,
quis, ela também, voar.
Tirou a roupa, gritou,
sentiu-se livre afinal...

Olhando a lua, sonhou
com outra vida, outro lar,
e no vazio se atirou,
cantando "Lucy in the sky"...

Como um anjo, ou um elfo, ou
uma fada sublunar,
por um momento pairou,
livre de amarras, no ar...

Sua alma, alada, zarpou
num vôo interestelar...
Seu corpo se estatelou,
grave e prosaico demais.

Marco Catalão in "O Cânone Acidental", É Realizações Editora, São Paulo, 2009, p 39.
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23/12/10

Acerca desta época, do consumismo e da noção de propriedade.


Vivre l'Évangile? Bien d'autres l'ont fait avant nous, mais notre voie est toute simple. Nous serons des soeurs pauvres, comme Jésus et sa mère. Nous avons décidé de tout mettre en commun: d'abord ce que nous sommes, et cela est à construire tous les jours; mais aussi ce que nous pourrions avoir. Nous ne voulons rien posséder, ni chacune pour soi, ni ensemble, rien de ce que l'on peut appeler à juste titre "propriété". Une seule exception: le terrain nécessaire à notre manière de vivre. Ce dont chacune aura besoin, ele le demandera à la communauté: nourriture, vêtements, soins, objects nécessaires au travail. Et tout será partagé avec le commun consentement des soeurs, par l'intermédiaire d'une abbesse et de son conseil, élus par toutes. Pour vivre, nous traveillerons; le travail est un don merveilleux de Dieu. Ce travait doit non seulement assurer notre subsistance, mais aussi convenir à notre vie avec Dieu. Si le travaille ne suffit pas? Nous irons mendier selon les possibilités des lieux et des temps. Notre amitié fraternelle, ainsi, s'elargira et un partage pourra s'établir avec ceux que nous rencontrerons. Nous veillerons à ce que le travail n'entrave pas notre relation à Dieu, mais plutôt la soutienne: prier constamment avec un coeur limpide et avoir l'Esprit du Seigneur, voilà, d'après François, ce que Jésus demande dans l'Évangile. Cela peut se vivre en toute situation. Portant, comme les frères, nous aurons des temps forts de prière, ceux que l'Église a prévus: écoute de la Parole de Dieu, chant des psaumes, hymnes, intercessions, libres louanges... Cette prière nous fera pénétrer dans la prière du Christ, et c'est pouquoi celles qui ne savent pas lire diront, au même moment, le Notre Père qui est l'essentiel de la prière de Jésus...
Soeurs pauvres, nous vivrons ensemble le plus possible, dans les lieux communautaires: l'église, le réfectoire, le dortoir, le parloir, et ailleurs encore. Toute notre vie tendra à promouvoir l'unité de l'amour mutuel et la paix. Ainsi, les démarches importantes seront accomplies avec le consentement des soeurs: l'élection de celle qui recevra la charge d'abbesse, servante et mère, l'accueil de celles qui viennent et demmendent à vivre avec nous, la décision de contracter une dette... De même, les soeurs décideront ensemble des services à répartir entre elles, et le travail sera assigné en présence de toutes. Elles se réuniront une fois par semaine en "chapitre", afin de réfléchir ensemble à ce qu'il convient de faire, compte tenu des besoins, des possibilités, des appels de l'Esprit. Les dons reçus des gens, des familles, seront distribués en vue du bien de toutes et de chacune(...)
Les vêtements seront les mêmes pour toutes: trois tuniques et un manteau. Pour la commodité du service et du travail, elles pourront aussi avoir une tenue simple, en fonction des tempéraments, des lieux, des temps, et des climats. Toutes les décisions à prendre seront mûries dans la prière et l'échange, pour l'utilité commune. La qualité du discernement sera spécialement nécessaire à l'abbesse...
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Claire-Pascale Jeannet in "Sainte Claire d'Assise", Fayard, Paris, 1989, pp 198 - 200.
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Nota - Nos primeiros anos da década de 90 resolvi fazer uma investigação cuidadosa em torno da religiosidade na Itália do século XIII. Por cuidadosa entendo: desapaixonada, crítica, antidogmática e recusando todas as veemências de cariz neo-fascizante. "Fiz-me à estrada" e que fosse o que tinha de ser! O primeiro contacto foi o romance da Claire Jeannet acima referido: apesar do grande rigor da obra, convém frisar que estamos perante uma vida ficcionada. Na sequência de tudo isto, vi-me depois atirado para outros livros: o excelente trabalho de Marco Bartoli, editado também pela Fayard: "Claire D'Assise", o clássico de Jacques Le Goff sobre Francisco de Assis, etc.,etc. Conclusão: sai conforme tinha entrado! Lembro-me que na altura comecei logo a trabalhar na História dos pequenos estados da Europa, comecei por "uma coisa" da Que-sais je? sobre o Luxemburgo. Nunca mais pensei no século XIII italiano, mas suspeito que ele voltou, pois no meu último livro há, pelo menos, duas referências a ele...
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22/12/10

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                    "Por linhas tortas"



Nunca conheci quem tivesse escrito uma merda.
Todos os meus conhecidos têm sido brilhantes em tudo o que escrevem.
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E eu, tantas vezes cego, tantas vezes burro, tantas vezes tímido,
eu tantas vezes irrespondivelmente plagiário,
indesculpavelmente preguiçoso,
eu que tantas vezes não tenho tido paciência pra consultar o dicionário,
eu que tantas vezes tenho sido ridículo, vaidoso,
que tenho cortejado os elogios fúteis e desprezado as críticas honestas,
que tenho escrito poemas grotescos, tacanhos, redundantes e pretensiosos,
que tenho deletado mais de metade do que escrevo,
que quando não deleto, tenho me arrependido de cada poema publicado;
eu, que tenho submetido meus poemas ao julgamento de gente que eu desprezo
e tenho me sentido humilhado pelo desprezo dessa mesma gente;
eu, que não como ninguém com meus versos românticos;
eu, que não choco ninguém com meus versos satânicos;
eu, que tenho passado noites em claro pensando num advérbio ou num adjectivo;
eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
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Toda a gente que eu conheço e que troca e-mails comigo
nunca errou uma concordância, nunca se enredou numa falácia,
nunca foi senão genial - todos eles gênios - na vida e na literatura...
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Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
que confessasse, não um bloqueio criativo, mas uma ingenuidade;
que contasse, não que seu livro não vendeu, mas que não valia o preço de capa!
Não, são todos mestres de Homero e instrutores de Shakespeare,
se os ouço e se falam comigo.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez escreveu uma frase feita?
Ó gênios, meus irmãos,
caralho, estou de saco cheio de Rimbauds e Mallarmés!
Onde é que há gente no mundo?
Então só eu que sou burro e pouco original nesta terra?
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Poderão ter sido achincalhados pela crítica,
podem ter sido ignorados por Deus e o mundo,
mas terem escrito uma frase ridícula, nunca!
E eu, que tenho escrito frases ridículas cotidianamente,
cercado por tantos gênios, como posso querer ser lido com atenção?
Eu, que tenho sido estúpido, literária e literalmente estúpido,
estúpido no sentido simplório e bruto da estupidez.
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Marco Catalão in "O Cânone Acidental", É Realizações Editora, São Paulo, 2009, pp 104 - 106.
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21/12/10

"(...) Y mi vida/ es ese pájaro pegado al cable/ de alta tensión, "

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"Intermedio"

Entre una imagen tuya
y otra imagen de ti
el mundo queda detenido.
En suspenso. Y mi vida
es ese pájaro pegado al cable
de lata tensión,
después de la descarga.

Chantal Maillard in "Hainuwele y otros poemas", Tusquets Editores,
Barcelona, 2009, p 189.
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20/12/10

"... qu'il voulait, pour eux deux, une relation de contiguité, d'appartenance, non de propriété."


Jour après jour, envers et contre le malaise de l'éloignement, leur relation s'ajustait et, paradoxalement, atteignait à de nouveaux équilibres. Vint alors sous sa plume, dans une de ses lettres, la fameuse petite phrase, bien moins qu'une phrase en réalité, trois petits mots dont pourtant la signification apparut à Leo aussi déliée et suffisante qu'un concept bien élaboré: " chambre à part". Et il expliqua à Thomas qu'il voulait, pour eux deux, une relation de contiguité, d'appartenance, non de propriété. Il voulait vivre seul, tout en pensant à lui comme à l'amant de prédilection, au bien-aimé des éternelles fiançailles. Qu'ils n'avaient rien à redouter de leur solitude, qu'elle était à vivre au contraire comme le fruit le plus achevé de leur amour, parce qu'au fond, jusque dans la séparation, ils s'appartenaient et ne cessaient de s'aimer. Que, chaque année, ils passeraient le printemps et l'été ensemble à voyager tandis que l'hiver, chacun travaillerait à ses propres projects. Que c'était un choix difficile, et surtout singulier, mais qu'en son coeur Leo ne s'en sentait pas de faire autrement. Qu'enfin, s'ils faisaient "chambre à part", il lui resterait fidèle jusqu'à la mort.
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Pier Vittorio Tondelli in "Chambres séparées", Éditions du Seuil, Paris, 1992,
pp 194 - 195 (Tradução do italiano para o francês: Nicole Sels).
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19/12/10

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Poema 1 de "Canto e Lamentação na Cidade Ocupada"
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Ei-la a cidade envolta em dor e bruma
Ei-la na escuridão serena resistindo
Hierática Estranha Sem medida
Maior do que a tortura ou o assassínio
Ei-la virando-se na cama
Ei-la em trajes menores Ei-la furtiva
seminua sensual e no entanto pura
Noiva e mãe de três filhos Namorada
e prostituta Virgem desamparada
e mundana infiel Corpo solar desejo
amor logro bordel soluço de suicida
.
Ei-la capaz de tudo Ei-la ela mesma
em praças ruas becos boites e monumentos
.
Ei-la ocupada inerte desventrada
com música de tiros e chicote
.
Ei-la Santa-Maria-Ateia maculada
ignóbil e miraculosamente erecta
branca quase feliz quase feliz
Ei-la resplendente de amor teoria
e prática nocturna mistério acontecido
doce habitável ah sobretudo habitável
vestido acolhedor café à noite
a voz distante e amada ao telefone
.
Ei-la a que fica e sobrevive
e reflecte neons nos lagos do jardim
mesmo quando partimos e as lágrimas inúteis
roçam de espanto a solidão crescendo
.
Ei-la a cidade prometida
esperamos por ela tanto tempo
que tememos olhar o seu perfil exacto
flor da raiz que somos
meu amor
.
Daniel Filipe in "A invenção do amor e outros poemas", Editorial Presença,
Lisboa, 1972, pp 49 - 51.
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13/12/10

" Soy un animal enloquecido/ que salta sobre el fuego. "

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Puedo decir que en tus ojos descansan
las lechuzas,
que acaricias el sol con tus rodillas
cuando desciende cárdeno sobre tu vientre,
que un tigre juguetea en tu regazo,
que tus ojos florecen como la madreselva,
puedo decir que el bosque se calla cuando duermes y lo cubre
la sombra de tus párparos.
Pero no diré nada.
No conozco tu cuerpo si es que tienes alguno.
Las lechuzas, el sol, las colinas, los tigres
son lechuzas y sol y colinas y tigres, y las flores son flores
y el bosque es sólo bosque.
Si me invento tu cuerpo cada día
es para verte un poco más distante,
pues sentirte tan cerca y tan presente sin morir
es difícil.

Arden las plantas de mis pies.
Soy un animal enloquecido
que salta sobre el fuego.
.
Chantal Maillard in "Hainuwele y otros poemas", Tusquets Editores,
Barcelona, Barcelona, 2009, p 97.
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11/12/10

" mas sólo un hombre ciego/ puede hallar el camino que a él conduce. "

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"Y dónde está escondido tu tesoro, Hainuwele?",
me pregunta, burlona,
la más anciana del poblado.
Se refiere, lo sé, a lo que siempre buscan
los hombres cuando vuelven del combate.
Mi tesoro, contesto, es suave como el musgo, dulce
como leche de almendras,
tiene el frescor de los helechos
y sangra sin dolor hasta teñir de púrpura el crepúsculo
o para alimentar los cachorros de um tigre.

Mi tesoro no está escondido:
resplandece en el bosque como ele oro,
mas sólo un hombre ciego
puede hallar el camino que a él conduce.

Chantal Maillard in "Hainuwele y otros poemas", Tusquets Editores,
Barcelona, 2009, p 23.
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10/12/10

Agradecimento...

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aos autores que tiveram a bondade de publicitar o meu último livro.
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Ver aqui:
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http://www.logrosconsentidos.blogspot.com/ (INÊS LOURENÇO)
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http://www.maquinaroyal.blogspot.com/ (POMPEU MIGUEL MARTINS)
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http://www.sylviabeirute.blogspot.com/ (SYLVIA BEIRUTE). Postagem de 6/11/2010
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http://www.carlosvaz.blogspot.com/ (CARLOS VAZ). Postagem de 25/11/2010
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http://www.ortografiadoolhar.blogspot.com/ (GRAÇA PIRES)
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http://www.universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/ (HENRIQUE MANUEL BENTO FIALHO)
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http://www.diversos-afins.blogspot.com/ (LEILA ANDRADE e FABRÍCIO BRANDÃO)
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http://www.texto-al.blogspot.com (TIAGO NENÉ)
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(Lista em aberto, pois vou encontrando Postes em Blogues que desconhecia, como por exemplo:
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http://www.artesteves.blogspot.com/ - Blogue "Artemisia está viva!" da Profª Fátima Pereira que, num Poste de 28/11, diz ter estado presente no lançamento do livro. Posteriormente vim a conhecer esta professora de Filosofia)
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09/12/10

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Cheguei a Fátima ao meio-dia, o santuário em obras, compressores e betoneiras cessavam o seu ruído sacrílego, os operários estiravam-se entre pilhas de pranchas de madeira e montículos de areia e cimento, sorviam da lancheira feijão seco com uma colher; olhar embrutecido pelo vinho, um corredor especial esperava-me, desimpedido, o crucifixo na mão, as contas enroladas no antebraço, o terço de prata oferecido por Pio XII, em quem pouco confiei, um Papa titubeante, severamente indeciso, esquecido dos princípios éticos cristãos, mais italiano do que supremo representante de Deus na terra, percebia-se a vaidade nas sedas imaculadas dos paramentos, nas sotainas engomadas e superiormente vincadas, nos sapatos vermelhos da tradição, na barba dupla ou triplamente escanhoada, diferente da do seu antecessor, Pio XI, a casula amarrotada, a mitra tombada na cabeça, Pio XII fora núncio na República de Weimar, conhecera Hitler pessoalmente, assistira à crescente subida eleitoral do Partido Nacional-Socialista, às manifestações medievais do ódio germânico contra os judeus, os ciganos e os homossexuais, não levantou o dedo em nome dos desprotegidos, dos que sofriam, dos humildes, carregados em camiões para abrirem estradas a picareta, passavam sob a varanda da nunciatura, roncando o seu poder maligno, nada fazia, nada fez, devia tê-lo feito, em nome dos antigos erros da Igreja, da ética universal, devia ter estado ao lado do Bem, mestre em palavras dúbias, como Pôncio Pilatos, orientava sem orientar, devia ter comandado o povo católico contra a Besta, Hitler, não o fez, assemelhava-se àqueles que em Portugal me tinham dito que entre a foice e o martelo e a cruz gamada, esta ainda continha a cruz, Hiltler seria recuperável com o tempo, os judeus não, os comunistas menos, foi de um seu confidente a famosa frase "o comunismo, um inimigo a exterminar", título de inúmeros jornais e livros católicos, o medo dos vermelhos abriu a porta a Mussolini e a Hitler, Pio XII considerava o socialismo, o comunismo e o anarco-sindicalismo consequências degeneradas do liberalismo e do ateísmo europeus, forçoso liquidar este, o capitalismo, para que por asfixia natural morressem socialistas e comunistas, Hitler, a Besta, na mente maquiavélica da Igreja, constituía o instrumento de liquidação do capitalismo, ficariam enfim frente a frente a Besta e a Cruz, o fim dos tempos, o Armagedão, todo o fervor da Igreja deveria assentar na morte do capitalismo, condenara os padres da Acção Católica que evangelizavam os operários, a Igreja devia retirar-se do mundo e deixar o mundo autoliquidar-se, no final emergiria triunfante, recolhendo os restos, preparando uma nova evangelização, um novo mundo, sob os cadáveres de milhões de europeus. As minhas relações com a Igreja foram sempre heterodoxas, em Portugal tinha dificuldade em relacionar-me com os bispos de ventre inchado como uma panela de gorgulho, especialistas em temperar refogados e apreciar o ponto de açúcar no caramelo, meu pai e avô recordavam como a Igreja se ratraíra no tempo do exílio, reduzida a uma relação formal de apoio,(...) aconteceu o mesmo na instauração da república portuguesa, bem podíamos, eu e o Manuel, ficar à espera do apoio da Igreja, foi preciso o negreiro Afonso Costa ter expulsado dois bispos para a Santa Sé cortar relações diplomáticas com Portugal, defendiam-se, como instituição, não defendiam a Monarquia, é assim que vejo a instituição Igreja, digo instituição, distinguindo fortemente a mensagem de Jesus da cúpula reitora da Igreja, defensora em exclusivo dos seus interesses, vim a este descampado de Fátima em busca do sagrado, o sentimento de protecção espiritual que experimentara na infância, no tempo de Leão XIII, o único Papa de quem me senti próxima, adaptou a Igreja aos tempos modernos, a encíclica Rerum Novarum, Das Coisas Novas, jogou a Igreja para os bairros dos trabalhadores, as fábricas, defendendo um capitalismo social de aproximação aos pobres, de comiseração para com estes (...) tanta esperança tivera eu de que o Luís Filipe, se tivesse chegado a governar, se a monarquia se tivesse prolongado mais dez anos, tornasse Portugal um país exemplar, como as monarquias escandinavas e inglesa, que libertaram os seus povos da fome e da ignorância...
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Miguel Real in "As Memórias Secretas da Rainha D. Amélia", Publicações Dom Quixote,
Alfragide, 2010, pp 246 - 249.
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07/12/10

"Padeço todos os dias/ De minhas exóticas melancolias/(Mas rio-me delas...)."

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" Poema"
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Sou o parvo extravagante e solitário,
E sou o beco sem saída.
Tenho enredos e dramas na minha Vida
De céu vário.
Padeço todos os dias
De minhas exóticas melancolias
(Mas rio-me delas...).
Chamam-me: o pescador de Estrelas,
O dos vícios inéditos e singulares...
Mas eu sei que sou
Um almirante sem caravelas e sem mares;
Tenho a certeza que é isto que sou!
A minha Fantasia desregrada
É o alcoólico delírio
E o constante martírio
Que faz com que eu seja tudo, não sendo nada!
Enlodo-me
E remordo-me
Quando sinto em mim a luz de talvez Deus
(Uma luz que me atira fora de mim
Para espasmos, e apertões, e cambalhotas.)
Nesses momentos encho os Céus
C'o a minh'alma dilatada pela febre sem fim!,
-E nas ruas fecham-se-me as portas,
E eu 'screvo poemas sem ritmo nem rima!...
Depois, a pouco e pouco adormece-me a Vida
Sobre um enxergão imundo;
Minh'alma comprime-se, entra dentro de mim, novamente,
E dorme um sono profundo,
Tranquilamente...
.
- Por isso a minha vida
É um beco sem saída!
.
Ninguém compreenderá o que escrevo neste poema sincero,
Talvez por ele ser demasiado sincero!
Vão-me achar, com certeza, muito temerário
No que toca a metro e a versificação.
Deixai!: eu sou o Incompreendido, o Solitário,
O Triste, o Erva, o Bobo, o Alto, o Louco,
Que sonha muito e bem, e canta mal e pouco,
E tem ternuras de andorinha e fúrias de leão!
.
- Por isso a minha vida
É um beco sem saída!
.
Cristovam Pavia in "Poesia", Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2000, pp 123 - 124.
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06/12/10

"que no pase inadvertido aquello que/ tú amaste y todo cuanto/ pudieron odiarte..."

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Prevalece pues poeta lo que creaste.
El precio será tu muerte
física o civil. Mas no dejará de ser
un buen negocio por tratar
que no pase inadvertido aquello que
tú amaste y todo cuanto
pudieron odiarte por desvelar
lo que debe estar oculto pero suena
entre los silbos del bosque.
Jirones de bruma de lo que no puede
ser dicho en lenguaje alguno
y cantan tus lenguas desde el ramaje.
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Miguel Veyrat (pré-publicação).
.
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Permanece poeta o que criaste.
E a tua morte física ou civil
será o preço. Contudo não deixará de ser
um bom negócio a incrementar
que não passe despercebido aquilo que
tu amaste e tudo quanto
puderam em ti odiar apenas por desvelar
o que deve manter-se oculto mas soa
por entre os ruídos do bosque.
Girões de bruma do que não pode
ser dito em linguagem alguma mas cantam
partindo da folhagem em tuas palavras.

Miguel Veyrat traduzido por Victor Oliveira Mateus
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04/12/10

"Ouvre-moi tes bras/ pour que je t'offre/ le souvenir de ce long voyage!"

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"De la joie"

Te souviens-tu qu'un jour
tu m'as demandé en souriant:
- Qu'apportes-tu de ce long voyage?
- Regarde mon visage qui te répond:
une larme de joie dormante
dans les yeux du désir.

Qu'apportai-je de ce long voyage,
ô âme de ma vie? Un coeur brûlé
dans le regret d'un amour impossible,
un regard perdu dans le voile d'un rêve lointain,
un corps enfiévré de l'ardent désir de l'union.

Qu'apportai-je de ce long voyage,
ô âme de ma vie?
Des yeux émus d'une joie profonde,
des lèvres sur lesquelles s'est posé
un baiser d'espoir et de désir,
plus ardent que celui du soleil du Sud.

Je cherchai en vain un souvenir digne de toi
dans les ruelles de la ville,
finalement je me dis que je t'offrirai
un corps où s'enflamme une joie essentielle.

Lorsque je me regardai dans le miroir,
je vis hélas que la séparation
avait atténué mon éclat!
Je sollicitai donc le soleil pour qu'il me donne
soif, lumière, chaleur et brillance.

Maintenant, me voici cette flamme
qui incendie les âmes,
ô espoir de mon coeur fou et chagriné!
Ouvre-moi tes bras
pour que je t'offre
le souvenir de ce long voyage!

Forough Farrokhzad in "La conquête du jardin, Poèmes 1951 - 1965", Lettres Persanes,
Paris, 2008, pp 101 - 102 (Traduzido do persa para o francês por Jalal Alavinia com a
colaboração de Thérèse Marini).
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Nota - " Forough Farrokhzad rompe com a dialéctica da experiência e da linguagem. A sua poesia é absolutamente moderna já que não faz da experiência amorosa um facto da linguagem poética, nem sequer da prosódia do espaço onde se desvela a verdade dessa mesma experiência. A arte permite-lhe, pelo contrário, significar o inapagável excesso da dor, do exílio, da perda e da separação como se o poema visasse, em cada um dos seus versos desiguais, um dado real, que Farrokhzad enuncia como um segredo seu e completamente rebelde a toda a domesticação poética." Christian Jambet em tradução minha.
Outro pormenor: nunca antes de Farrokhzad nenhuma poetisa persa tinha ousado falar do corpo na sua inevitável articulação com os mecanismos do desejo. E a autora vai mesmo mais longe: recusa-se a ser uma presença estática para ser cantada, toma ela o papel activo e fala do acto amoroso, e do corpo do outro, como antes apenas os homens tinham feito.
.
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03/12/10

e ainda...


. O Livro "Os Acasos Persistentes" de Cláudio Neves, que tive o grato prazer de prefaciar,
.
. ficou entre os três finalistas do Prémio Aphonsus de Guimaraens da Biblioteca Nacional
.
. do Brasil. O primeiro lugar foi alcançado pelo novo livro de Adélia Prado.
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A divulgação dos Clássicos.


(Clicar em cima da notícia)
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Nova entrevista de Ana Paula Dias, desta vez ao "Hoje Macau".
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02/12/10

Homenagem.

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SAIU A 51ª LEVA DA REVISTA ONLINE.... "DIVERSOS AFINS"
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. É UMA BELÍSSIMA HOMENAGEM QUE OS SEUS DIRECTORES (LEILA ANDRADE E
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FABRÍCIO BRANDÃO) DECIDIRAM PRESTAR AO POETA ILDÁSIO TAVARES.
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. VER AQUI: http://www.diversos-afins.blogspot.com/
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COLABORAM NESTA PUBLICAÇÃO OS AUTORES PORTUGUESES ( CASIMIRO DE BRITO,
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INÊS LOURENÇO e Victor Oliveira Mateus) e os SEGUINTES AUTORES BRASILEIROS:
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MARIA CONCEIÇÃO PARANHOS, MARCOS VINÍCIUS ALMEIDA, HENRIQUE WAGNER,
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SILVÉRIO DUQUE e GIL VICENTE TAVARES, FILHO DO HOMENAGEADO.
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HÁ AINDA TEXTOS DOS DIRECTORES DA REVISTA (ACIMA REFERIDOS), BEM COMO
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DO PRÓPRIO ILDÁSIO TAVARES.
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01/12/10

"Humilde fragmento do mundo/ sou perene dentro do círculo. "

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"Círculo"

Fatias do ontem e do amanhã:
a eternidade me contém.
Adivinho esta vida apenas
curto instante de glória
dentro de outra obscura e maior
pois desde o barro pré-histórico
estive de algum modo presente
na promessa de carne dos avós
milenares e habito igualmente
tácita a matéria dos filhos.
Humilde fragmento do mundo
sou perene dentro do círculo.

Astrid Cabral in "50 Poemas Escolhidos pelo Autor", Edições Galo Branco,
Rio de Janeiro, 2008, p 10.
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Notícia bastante atrasada.



Lara de Lemos












(Num mail de ontem a poeta Astrid Cabral confirmou-me a morte de Lara de Lemos. Faleceu a 12 de Outubro deste ano. Uma sugestão: ler a sua poesia... documentar-se acerca das suas posições frente à então Ditadura Brasileira).
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