29/04/11


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Seul l'homme peut être un ennemi pour l'homme, seul il peut lui dérober le sens de ses actes, de sa vie, parce qu'aussi il n'appartient qu'à lui seul de le confirmer dans son existence, de le reconnaître effectivement comme liberté. C'est ici que la distinction stoicienne entre les "choses qui ne dépendent pas de nous" et celles qui "dépendent de nous" s'avère insuffisante: car "nous" est légion et non pas un individu; chacun dépend des autres et ce qui m'arrive par les autres dépend de moi quant à son sens; on ne subit pas une guerre, une occupation comme on subit un tremblement de terre: il faut prendre parti pour ou contre et par là les volontés étrangères deviennent alliées ou hostiles. C'est cette interdépendance qui explique que l'oppression soit possible et qu'elle soit odieuse. Nous l'avons vu, ma liberté exige pour s'accomplir de déboucher sur un avenir ouvert: ce sont les autres hommes qui m'ouvrent l'avenir, ce sont eux qui, constituant le monde de demain, définissent mon avenir; mais si, au lieu de me permettre de participer à ce mouvement constructeur, ils m'obligent à consumer vainement ma transcendance, s'ils me maintiennent au-dessous de ce niveau qu'ils ont conquis et à partir duquel s'effectueront les nouvelles conquêtes, alors ils me coupent de l'avenir, ils me changent en chose. La vie s'emploie à la fois à se perpétuer et à se dépasser; si elle ne fait que se maintenir, vivre c'est seulemente ne pas mourir, et l' existence humaine ne se distingue pas d' une végétation absurde; une vie ne se justifie que si son effort pour se perpétuer est intégré dans son dépassement, et si ce dápassement n'a d'autres limites que celles que le sujet s'assigne lui-même. L'opression divise le monde en deux clans: il y a ceux qui édifient l'humanité en la jetant au-devant d'elle-même, et ceux qui sont condamnés à piétiner sans espoir, pour entretenir seulement la collectivité; leur vie est pure répétition de gestes mécaniques, leus loisir suffit tout juste à la récupération de leur forces; l'oppresseur se nourrti de leur transcendance et se refuse à la prolonger par une libre reconnaissance. Il ne reste à l'opprimé qu'une solution: c'est de nier l'harmonie de cette humanité dont on prétend l'exclure, c'est de faire la preuve qu'il est homme et qu'il est libre en se révoltant contre les tyrans. Pour prévenir cette révolte, une des ruses de l'oppression sera de se camoufler en situation naturelle: puisqu'en effet on ne saurait se révolter contre la nature. (...) La lutte n'est pas de mots ou d'idéologies, elle est réelle et concrète: si c'est cet avenir qui triomphe et non celui-là, c'est l'opprimé qui se réalise comme liberté positive et ouverte, c'est l'oppresseur que devient un obstacle, une chose..
Il y a donc deux manières de dépasser la donné: il est très différent de poursuivre un voyage ou de s'évader de prison. Dans les deux cas le donné est présent dans son dépassement; mais dans un cas, présent en tant qu'accepté, dans l'autre, en tant que refusé, et cela fait une radicale différence. Hegel a confondu ces deux mouvements sous le vocable ambigu de "aufheben"; et c'est sur cette ambiguitè que repose tout l'édifice d'un optimisme qui nie l'échec et la mort; c'est là ce qui permet de regarder l'avenir du monde comme un développement continu et harmonieuse; cette confusion est la source et aussi la conséquence, elle est un parfait résumé de cette mollesse idéaliste et verbeuse que Marx reproche à Hegel (...).La révolte ne s'intègre pas au développement harmonieux du monde, elle ne veut pas s'y intégrer, mais bien exploser au coeur de ce monde et en briser la continuité.

Simone de Beauvoir in "Pour une morale de l' ambiguité ", Éditions Gallimard,
Paris, 1974, pp 118 - 122.
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28/04/11

"Os pequenos lugares, pelas manhãs/ quando o frio se infiltra pela pele "

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"Os Pequenos Lugares
- soneto matinal de outono feliz "

Os pequenos lugares, pelas manhãs
quando o frio se infiltra pela pele,
são como romãs-novas ou uma rosa
revelando no mundo uma árvore

que muito tempo aos olhos se escondesse:
Os pequenos lugares, uma maçã
abrindo-se uma casa sob os pés
onde entro e me sento a uma mesa,

os pequenos lugares a bisturi
na opacidade neutra da cidade...
- Ali leio o jornal tomo o café

e penso comovido "sou feliz",
como Ulisses pensava em Penélope
algures noutro lugar esperando por ele!

  J. O. Travanca-Rêgo in "Florilégio de Natal", Universitária Editora, Lisboa, 1998, p 27.
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27/04/11

" E prossigo viagem, já noutros modos de transporte "

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" Interiores"

Equipei-me, a largos brados de adaga, dentro de uma
floresta hirsuta,
para a navegação do silêncio: Carregei
barcos de fruta
para despejar à boca de um deserto...
E prossigo viagem, já noutros modos de transporte:
Aluguei um ómnibus
muito muito a dirigir-se para o norte, onde
a própria morte
é consumível.

Porém à beira-morte que palavras?
- À beira-morte, não haverá palavras:
à beira-morte oh os destroços
sobre águas duma súbita
enxurrada verdascando o inútil
suor das hortas cultivadas .../...

E sinto pelos membros e no sangue
os frios finos fios duma rede
de eléctrodos
dessa guerrilha palpando destruir-me:
suicidas guerrilheiros dentro ao corpo
cumprindo como em selva palmo a palmo
o plano saciado em vigílias: "Demolir:
qualquer ponte ou arado, ou cavilha!"

- Um princípio sensato resta porém fértil
ou um resto ( que frágil) de senso
em torno - indecifrável - do bolor:
"Pior, é que morrer, nunca nascido: E é, morrer, um
fruto
com talvez interior".

 J. O. Travanca-Rêgo in "Homenagem a Ferreira de Castro", Universitária Editora,
Lisboa, 1998, pp 27 - 28.
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26/04/11

" Os caminhos, hoje, estão libertos de heroísmos/ de opereta (...)"

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"Mapa de desencontros"

Vez por outra, intentava uma máscara menos íntima,
invadia a rua como quem entra num cenário de guerra
e tu eras o espelho indiscreto que mostrava o meu rosto
semeado de marcas cinzeladas por um vendaval
qualquer. Mais tarde, haveria de me dar conta
desse mapa de naufrágios, desse roteiro de gestos
sem causa. E eram tristes os relatórios dessas incursões
no caos. Memórias para esquecer.

Os caminhos, hoje, estão libertos de heroísmos
de opereta, os meus passos vestem-se de nuvens
baixas e até os homens mais antigos
circulam em redor das próprias sombras.

Fecham-se as portas, as manhãs ondulam sozinhas
e estas palavras são a última possibilidade
que o silêncio me concede.

 Fernando de Castro Branco in "Estrelas Mínimas", Editora Labirinto, Fafe, 2008, p 61.
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25/04/11

" Talvez a cidade ainda me arraste para dentro/ de si, com sua vegetação de cinza, "

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"Lembranças, ou o tacto da memória"

Entregue às palavras, como se a um pó mais denso,
trabalho lembranças com o cuidado que se tem
com as coisas frágeis. Tacteando ausências, acendendo
velas no escuro da casa. O frio sobe neste Outono,
o corpo diminui de queda em queda, sucedem-se
as primeiras quebras no ritmo cardíaco, os primeiros
picos nas cordilheiras do electrocardiograma.

Retomo a lama com as mãos, modelo no barro
um artesanato de vertigens, certo que depois do amor
pouco mais haverá que mereça outro desassossego. Assisto
desta varanda a paisagens demolidas, às tardes
sem luz, a uma utopia recolhida atrás das janelas.

Talvez a cidade ainda me arraste para dentro
de si, com sua vegetação de cinza,
talvez observe os transeuntes
às luzes ocres do desencanto,
com a alma hesitante
entre o abrigo da Lua
e a nudez da casa.

 Fernando de Castro Branco in "Estrelas Mínimas", Editora Labirinto, Fafe, 2008, p 41.
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20/04/11

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Poema 6 da Parte 2 do livro, intitulada Fim de Década


Pouco fidedigna
a lógica do tempo enquanto ruína circular
 É importante o amor
respondiam os instintos reflectindo também
um pouco de superfície
como se vindos à tona já em naufrágio
 É importante o outro
repetiam através de monólogos contraditórios
e nebulosas mediações um século e meio desde A Origem
das Espécies milénios desde a Epopeia de Gilgamesh
e incontáveis eras
entre clareiras e desvelamentos

acelerar o passo deitar os olhos
ao chão aumentar o ritmo com se esfuma
o movimento cumulativo da história no excesso
de quotidiano nas pressões incómodas
em transportes públicos passeios cafés
e hospitais ninguém visivelmente compassivo à luz
das primeiras horas e ainda os rituais diários casa emprego
casa ginásio conversa de circunstância sono profundo

e junto às áleas de betão de ambos os hemisférios
acidentes rodoviários paredes negras
pintadas pela fuligem e a crescente deferência
ao regime do esquecimento

 Paulo Tavares in "Linhas de Hartmann", &etc., Lisboa, 2011, pp 41 - 42.
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18/04/11

Publicação.

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" DEVIR E MESMIDADE NA POESIA DE DORA FERREIRA DA SILVA"
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por VICTOR OLIVEIRA MATEUS,
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artigo recém-publicado na "REVISTA TRIPLO V, DE ARTES, RELIGIÕES E CIÊNCIAS",
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NOVA SÉRIE/ 2011/ NÚMERO 14.
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AQUI:  www.triplov.com/novaserie.revista/numero_14/victor_o_mateus

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17/04/11

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" Poema 3 da Parte 1 do livro intitulada Meio Caminho"



( sob as arcadas do bloco de prédios
o bando de rapazes suburbanos que vive à margem
da ordem social olhava-me de lado
como se eu não pertencesse àquele bairro)

Quando metia a chave à porta
e entrava em casa sentia-me a entrar
num espaço abandonado

não havia ninguém à espera

por vezes pensava que ainda me fazias falta
sem que houvesse alguma verdade nesse exercício
de reconstituição tinha medo do vazio
dos lugares residuais quando se tornou inevitável
a modesta transição para um silêncio definitivo
os compartimentos onde guardávamos
o amor-próprio eram demasiado exíguos
e nós havíamo-los preenchido com matérias ígneas

eu disse
  Não quero viver junto ao mar

porque me assustava
ao pé de ti toda aquela massa de água em confronto
submergindo as certezas adquiridas
e uma vida planeada ao pormenor nesta casa a cama rangia
viver no quinto andar de um prédio dos subúrbios
velho e sujo e contíguo ao terminal ferroviário
trazia alguns inconvenientes queria dormir
vencer o cansaço a cama rangia só depois das quatro
da manhã havia algum silêncio de tempos a tempos
passava um comboio de mercadorias tardio
e os vizinhos de baixo discutiam com frequência

Paulo Tavares in "Linhas de Hartmann", &etc., Lisboa, 2011, pp 12 - 14.
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(Nota: o meu P.C. não assume os parêntesis rectos da primeira estrofe - tal como está na
obra -, daí ter sentido a necessidade de os substituir por curvos. Essa solução, com uma nota
explicatica, pareceu-me preferível a ter de esconder os textos, de qualquer modo se o
Paulo discordar os poemas serão removidos.)
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16/04/11

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e começou por ser sal. apenas. que se vai polindo no abraço como
estalos ou uivos. emudecido e túrgido. o mesmo sal que se deita à
terra para desfazer o gelo. o mesmo saber do branco sem mácula.
já não digo porcelana nem altar. não entenderias o excesso nem a
dança dos breves momentos em que a diferença é colheita e logo
lagar. não disse lago. de noite as casas são de cal e mudam de lugar.
digo agora mudam de lago. para unir o ofício de cerzir páginas e
janelas. portas e insónias. que o branco é enchente. e da ironia da
forma reflexiva digo que sou antes do profano. tu dirias do sagrado.
mas sou infecunda e múltipla. oculta e breve na instância das evi-
dências. __________________ arcanjo matinal moura e oceano.
e se fores vendaval faz-me maçã. ampara-me este sal. delito de ser
casa sem lugar.

 Isabel Mendes Ferreira in "As Lágrimas Estão Todas na Garganta do Mar",
Arcádia, Lisboa, 2010, p 392.
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14/04/11


e de entre todas as ilhas escolho a dos segredos. que é de todas a
mais indócil e porém mais amável de cuidar. amadureço ao norte o
vendaval e a sul vigio a casa branca onde o jasmim me é laço. dispo
as árvores e solto os animais. sou cativa da porta que dá para lugar
nenhum. desidealizo-nos. mais tarde virá quem nos seja perto.

já não tenho o que dizer. nem do ovo da serpente nem das asas nem
da terra muito menos do ouro nem da previsível doença do fogo.
fechei a narrativa. afinal curso e discurso feito a sós na prova do nu
e na sombra a pique. fui legente sem sinais nem folhas de pensar ou
exaltar. abri o vapor que era silêncio e timbre abismático. coração de
um dia apenas. rosário desfiado como dedos cruzados sobre uma
aresta fria. aranha sem teia e teia sem fios parto à procura dos meus
mortos. um a um que são muitos e muito devagar porque já não
tenho o que dizer.

  Isabel Mendes Ferreira in "As Lágrimas Estão Todas na Garganta do Mar", Arcádia,
Lisboa, 2010, p 387.
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12/04/11

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Nos proyectó a continuación unos frescos del Camposanto de Pisa atribuidos a Orcagna, un pintor del que yo no había oído hablar en mi vida. La proyección duró lo que quedaba de clase, y ella se limitaba a hacer breves comentarios, a medida que iba ampliando detalles significativos e insignificantes, como si explorase uno por uno los rincones de uma habitación. Todo con mucha lentitud, para que se nos quedara grabado en la retina, que en eso consistia - dijo - el placer de la contemplación.
Se ve en uno de los extremos a un grupo de damas y caballeros solazándose en un vergel ao son del clavicordio. Dos ángeles sostienen sobre ellos, desplegado como una colgadura, un letrero que dice: "Ni el mucho saber ni la riqueza, y menos  vanidad o una rancia nobleza, los va a librar a éstos de la muerte", en italiano, claro, pero ella lo tradujo. Al otro lado, una cabalgata también de damas y caballeros que avanza descuidada por el monte se sobresalta al descubrir tres ataúdes abiertos con cadáveres en estado de decomposición. Todo el cielo está surcado por ángeles y demonios que, a manera de bandada de insectos surrealistas, se disputan la presa de los vivos. En el yermo, alejados de la colossal guadaña de la muerte, dos ermitaños, entregados a sus meditaciones, parecem ser los únicos en cuyo rostro se pinta la serenidad.
- El autor, si fue Orcagna, que no se sabe seguro - acabó Rosario Tena -, ha puesto el acento más en lo inexplicable y misterioso que en una pretensión de moraleja. Yo veo en este quadro sobre todo un himno a lo absurdo, tal vez por eso me parece tan moderno y tan intemporal por otra parte. Desde que el mundo es mundo, vivir y morir vienen siendo la cara y la cruz de una misma moneda echada al aire, pero si sale cara es todavía más absurdo. Para mí, se quieren que les diga la verdade, lo raro es vivir. Hasta el viernes.
Así concluyó su clase. Yo anoté en el cuaderno, como remate de mis apuntes: "Lo raro es vivir. (Posible título para una canción)".
Aquella misma tarde empecé a leer La divina comedia.

Carmen Martín Gaite in "Lo raro es vivir", Editorial Anagrama, Barcelona, 1996, pp 183 - 184.
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10/04/11

"Estes ventos adversos e tão ferozes/ que as ondas golpeiam contra as rochas,/ igualam de meu inimigo seu grande orgulho "


Questi venti contrari e così fieri
che sospingon qui l'onde in questi scogli
sembran de' miei nemici i grandi orgogli
contra a gl' alti miei stabili pensieri.

E quegl' orridi nembi e così neri
là' ve più' l tempo rio par che si accogli,
sembran li spesi miei gravi cordogli
contra ad ogni mia pace empi guerrieri;

e quella stanca e debol navicella
a cui si vede tronco arbore e sarte,
senza nocchiero, infra l'orribil' onde,

sembra l' alma mia afflita e di sua stella
priva e di tutte sue speranze sparte,
poi che l' alma sua luce il ciel gl' asconde.

 Chiara Matraini in "Tres poetisas italianas del Renacimiento", Ediciones Hiperión,
Madrid, 1988, p 46.
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09/04/11

Em esta sesão vivia com el-rei um bom escudeiro, e para muito, mancebo, e homem de prole, e n'aquelle tempo estremado em assignadas bondades, grande justador e cavalgador, grande monteiro e caçador, luctador e travador de grandes ligeirices, e de todas as manhas que se a bons homens requerem, chamado por nome Affonso Madeira, por a qual rasão o el-rei amava muito e lhe fazia gradas mercês.
Este escudeiro se veiu a namorar de Catharina Tosse, e mal cuidados os perigos que lhe advir podiam de tal feito, tão ardentemente se lançou a lhe querer bem, que não podia perder d'ella vista e desejo: assim era traspassado do seu amor. Mas, porque lugar e tempo não concorriam para lhe fallar como elle queria, e por ter aso de a requerer ameude de seus deshonestos amores, firmou com o aposentador tão grande amisade que para onde quer que el-rei partia, ora fosse villa ou qualquer aldeia, sempre Affonso Madeira havia de ser aposentado junto, ou muito perto do corregor. E havia já tempo que durava este aposentamento, sempre cerca um do outro; tendo bom geito e conversação com seu marido, por carecer de toda a suspeita.
Affonso Madeira tangia e cantava, afóra suas apostura e manhas boas já recontadas, de guisa que por aso de tal achegamento, com longa affeição e falas ameude, se gerou entre elles tal fructo, que veiu elle a acabamento de seus prolongados desejos. E porque semelhante feito não é da geração das cousas que se muito encobram, houve el-rei de saber parte de toda sua fazenda, e não houve d'ello menos sentido que se ella fora sua mulher ou filha. E como quer que el-rei muito o amasse, mais do que se deve aqui dizer, posta de parte toda bemquerença, madou-o tomar dentro em sua camara, e mandou-lhe cortar aquelles membros que os homens em mór preço tem...

  Fernão Lopes in "Chronica de el-rei D. Pedro I", Lisboa, s/d, capº VIII.
 

08/04/11


"Lamento por la maldición de Dios a Caín"


Toma para ti la tierra: es tu refugio.
Toda la tierra tuya, la que es tu cuerpo.
Terrenal cuerpo encizañado de semillas
que apenas sí germinan ya se pudren.

Refúgiate en las cuevas.
Ahonda bajo bosques tu guarida.
Allí donde te metas, verás mi Ojo perseguirte.
Implacable mi gran Ojo duro, sin pestañas:
ojo puro, ojo
que todo lo mirará viéndote siempre.

En pozos que te ocultes, los leones
con hambres que no calman mis ovejas,
querrán hallarte un día y acosarte
con ímpetu de arcángeles rebeldes.

Querrías que la sangre de tu hermano
no fluya de tus dedos? Qué gran viento
podrá llevarse el grito degollado?

Mi Ojo nunca duerme. Pupila sin sus párpados
te ve y te verá, anda que anda,
huyendo de mi ira irrestañable.
La tierra para ti!

Me verás en ojo inmenso; el mundo
para ti todo es mi Ojo.
Húyme, Caín!
Voy a mirarte
por los siglos de mi luz:
hasta que ciegues.

Yo sé que hablaste así. Tú a mi hijo.
Los dos perdí a la vez, los dos que hube.
Héteme ya sola con ele hombre.
Sufrí más que gocé. Qué es la ventura
sino lucha que descuaja mis entrañas?

Se ha hecho de mis frutos horas torvas;
infiernos de mi vientre; virus triste
para la tierra carne nueva...
Ya es vaho que revuelve mis piedades
el día fugitivo en que la gloria
cabía entre nosotros: yo y el hombre.

Derrámame simiente perdonada.
Déjanos, Señor, que te ofrezcamos
hijo que no duela de tu ira.
Quiero ya dormir. Dame tu sueño.
Tú tienes tanto sueño en tus mansiones!
Gimiendo las centellas curva el trueno
mi espalda y mi cintura...
Miedo de la tierra,
tengo miedo!

  Carmen Conde in " Mujer sin Edén", Ediciones Torremozas, Madrid, 2007, pp 55 - 56.
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07/04/11


"Mary Renault a Julie Mullard"


Tantos anos passados,
e o meu olhar vagueando também
pelas cidades muradas.
Os meus olhos vagabundos,
as minhas cidades amuralhadas,
os teus olhos impenetráveis.

Lá, ao distante dos começos,
aqui tão perto de esplendorosas
manifestações de afecto,
mas separadas à mesa das refeições,
porque tu degustas o tempo
como a mim desgostam as horas,
porque tu intentas contra as horas
como a mim oprime o tempo.

Tudo o que te peço neste Outono
grávido de geometrias cintilantes
é que quebres o anonimato do teu nome,
que me tragas aos lábios
o teu nome mais secreto,
que me abrases pelo caminho
agourado das sugestões.

Espero.
Espero sempre pelos teus olhos
esplendorosamente impenetráveis.
Não que afastes desta confissão
as geometrias cintilantes,
não que distes os adereços.
Apenas que ponhas a voz nos adereços,
apenas que ponhas a voz na voz dos adereços,
para que desse modo sejas toda tu
na ilusão com que te espero.

 Henrique Manuel Bento Fialho in "A Dança das Feridas", Edição do autor, s/c., 2011, pp 44 - 45.
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06/04/11

"... respondeu com a sua voz melodiosa e suave... "

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Desejava agora concentrar-me nos campos da Alta Silésia, a "Ruhr do Leste": o KL Auschwitz e as suas numerosas dependências (...). Trinta quilómetros antes de Auschwitz, já havia postos de controle SS que verificavam cuidadosamente os nossos papéis. Chegávamos depois ao Vístula, largo e turvo. Avistava-se ao longe a linha branca dos Beskides, pálida, tremulando na bruma do Verão (..). Um posto de controle barrava a entrada da Kasernestrasse; a seguir, erguia-se uma torre de vigia de madeira junto ao muro de betão cinzento do campo, coberto de arame farpado, por detrás do qual se perfilavam os telhados vermelhos dos barracões. A kommandantur ocupava o primeiro dos três edifícios entre a rua e o muro, uma construção atarracada com a fachada de estuque, e um alpendre subido flanqueado por lampiões de ferro forjado. Fui prontamente conduzido à presença do kommandant do campo, o Obersturmbannfuhrer Hoss. Este oficial, depois da guerra, adquiriu uma certa notoriedade, em razão do número colossal de pessoas a quem foi dada a morte sob a sua responsabilidade e também das memórias francas e lúcidas que redigiu na prisão, por ocasião do seu processo. Todavia era um oficial absolutamente típico do IKL, trabalhador, obstinado e limitado, sem fantasia nem imaginação (...). "O campo está à sua disposição." Ou melhor, os campos, porque Hoss geria toda uma rede de KL: o Stammlager, o campo principal que se estendia por detrás da Kommandantur, mas também Auschwitz II, um campo para prisioneiros de guerra transformado em campo de concentração, e situado alguns quilómetros a seguir à gare, na planície, nas imediações da antiga aldeia polaca de Birkenau (...). Hoss propunha-me que começássemos por Auschwitz II: um transporte RSHA chegava de França, ele queria mostrar-me o processo da selecção. Esta tinha lugar na plataforma da gare de mercadorias, a meio caminho entre os dois campos, dirigida por um médico da guarnição, o Dr. Thilo. O médico, quando chegámos, estava à espera no extremo do cais, com guardas Waffen-SS e cães, além de equipas de detidos com a roupa listada que arrancavam, quando nos viam, os gorros das cabeças rapadas. (...) Depois o comboio aproximou-se e abriram-se as portas do vagões de mercadorias. Contava com uma irrupção caótica: mas apesar dos gritos e do ladrar dos cães, as coisas passaram-se de maneira relativamente ordenada. Os recém-vindos, visivelmente desorientados e exaustos, surgiam dos vagões por entre um abominável fedor a excrementos (...) tinham de abandonar as suas bagagens e alinhar em duas fileiras, os homens para um lado, as mulheres e as crianças para outro; e enquanto as duas alas avançavam arrastando-se na direcção de Thilo, e Thilo separava os aptos para o trabalho dos inaptos, enviando as mães para o mesmo lado que os seus filhos a caminho dos camiões que esperavam um pouco mais longe (...). A maior parte daquelas pessoas falava, em voz baixa, em francês; outras, sem dúvida judeus naturalizados ou estrangeiros, em diversas línguas; escutava aquelas palavras que compreendia, as perguntas, os comentários; esta gente não fazia a mínima ideia do sítio onde estava, nem daquilo que a esperava.(...) A selecção estava a chegar ao fim: no total durara menos de uma hora.(...) Virei-me para Hoss: -" Recebe muitos comboios do Ocidente?" - "De França, este era o quinquagésimo sétimo. Tivemos vinte da Bélgica. Da Holanda, já não me lembro. Mas estes últimos meses, temos tido sobretudo transportes da Grécia.(...) Desde Fevereiro, tenho também um campo familiar para os ciganos." -" Um campo familiar?" - "Sim. É uma ordem do Reichfuhrer. Quando decidiu a deportação dos ciganos do Reich, quis que não fossem seleccionados, que pudessem permanecer juntos, em família, e que não trabalhassem. Mas muitos deles morrem de doença. Não resistem." (...) Hoss estacionou junto ao edifício da direita, no meio de uma mata de pinheiros esparsos. Em frente, num relvado bem cuidado, mulheres e crianças judias acabavam de se despir, vigiadas por guardas e prisioneiros de roupa listada. As roupas iam-se empilhando um pouco por toda a parte, devidamente separadas (...). Um dos detidos gritava: "Vamos, depressa, depressa, para o duche!" (...) "É como em Treblinka e Sobibor", comentou Hoss. "Até ao último minuto são levados a crer que vão ser desparasitados. Na maior parte dos casos, tudo se passa muito calmamente." Começou a explicar-me como se dispunham as coisas: "Ali adiante, temos mais dois crematórios, mas muito maiores: as câmaras de gás são subterrâneas e podem receber até duas mil pessoas. Aqui as câmaras são mais pequenas e há duas por Krema: é muito mais prático para os transportes pequenos." -" Qual é a capacidade máxima?" - "Em termos de gaseamento, praticamente ilimitada; a limitação maior é a da capacidade dos fornos. Foram concebidos especialmente para nós pela firma Topf. Estes têm oficialmente uma capacidade de 768 corpos por instação para um período de vinte e quatro horas. Mas podemos lotá-los até mil ou até mil e quinhemtos se necessário." (...) perguntei, por cortesia: "Quanto tempo leva isto, ao todo?" Mengele respondeu com a sua voz melodiosa e suave: "A Sonderkommando abre as portas ao fim de meia hora. Mas deixa-se passar tempo suficiente para que o gás se disperse. Em princípio, a morte chega em menos de dez minutos. Quinze, quando está mais húmido,"

  Jonathan Littell in "As Benevolentes", Publicações Dom Quixote, Lisboa,
2007, pp 550 - 556 (Tradução: Miguel Serras Pereira).
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03/04/11

" De tudo quanto cresce te baptizo,/ e dos espinhos nasce o dia aceso. "

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 Poema 2. de "Venus Felix"

De tudo quanto cresce te baptizo,
e dos espinhos nasce o dia aceso.
Talvez de pés no chão os gamos, sabes,
invadam teu sentir folhas queimadas,
ou só no chão dos gamos corra a água,
de rastos contra o peito das colinas.
Por trás de cortinados, e de portas,
ó nua e debruçada sobre o verão.

 Mário Cláudio in "Do Espelho de Vénus de Tiago Veiga", Arcádia, Lisboa, 2010, p 40.
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"Aqui te dou as horas mais doídas/ mais cavadas a fogo, a terra crua, "

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  Poema 14. de "Venus Victrix"

Aqui te dou as horas mais doídas,
mais cavadas a fogo, a terra crua,
mais certas, incidentes sobre a tarde
que em si resume as horas consumadas.
O dorso que se dobra sobre o mundo,
se extrai do mundo, e o mundo em nós se extrai.
Aí nos corta o fio dos relâmpagos.
........................................................................

 Mário Cláudio in "Do Espelho de Vénus de Tiago Veiga", Arcádia, Lisboa, 2010, p 74.
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" partindo a descrever adonde voltam."

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Poema 26. de "Venus Genitrix"

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...........................................
...........................................
...........................................
Pois sempre as naves ficam, e se espantam,
se voltam sobre o lado, e aí se esquecem,
perdendo quanto sabem de onde vêm,
partindo a descrever adonde voltam.

Mário Cláudio in "Do Espelho de Vénus de Tiago Veiga", Arcádia, Lisboa, 2010, p 114.
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02/04/11

Na "REVISTA (online) TEXTUALINO" poderá ler...

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... as minhas "BREVES NOTAS SOBRE":
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- "Paredes Abertas ao Céu" de INEZ ANDRADE PAES, Edição de Autor, 2010.
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- "Antre Monas I Sbolácios" de ADELAIDE MONTEIRO, Zéfiro Edições, 2010.
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01/04/11


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"As rendas" ( 1º poema do ciclo Dom São Sebastião)


Todo o meu apelo vai nas ondas
E pelas ondas vem a tua voz chamar-me
À praia do Tamariz
Se quebram leves rendas à roda do pescoço
Beijam-te o rosto de flor de lis.
É tão grande o desejo como o mar.
O Atlântico atrai para o deserto
Onde sem lápide hás de jazer reinando
Per saecula saeculorum
Sem Amen na prece a rematar.
Santo, eu, per saecula saeculorum
Ficarei rezando. Amo-te, Sebastião,
Ó flor imarcescível!
Meu cavaleiro da noite, meu lençol de esperma
Coalhado, em que estrelas choram por seres tão casto.
Olha que mais rebelde à morte, mais que tu, rei herói,
Sou eu, Sebastião, que não fui rei nem casto
Mas que sou soldado, gay e corajoso mártir.

  Maria Estela Guedes in "Geisers", incomunidade, s/c., 2009, p 15.
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" 20 de Janeiro " ( 3º poema do ciclo Dom São Sebastião )


O ronco da neblina é um aviso
De que está perto o legendário império
E que o espírito se veste de realidade
Em um futuro que é presente agora.
Porque tu és o mito lindo
O mito de que há impérios que se cumprem
Vencida a batalha de Alcácer-Quibir
Pelo meu Sebastião que é virgem.

Na penugem secreta do teu pénis
Crepitam dedos desejosos
De comer o tamariz selvagem.

Ó meu amor quieto como um ninho
Ó meu Sebastião que somos aves
Ó meu Desejado que és passarinho
Dos sonhos ateados na primavera!
Deixa-te vir louro como as brasas
Deixa-te vir moreno como abrunhos
Deixa-te vir, Graal misterioso,
Correndo como vinho no meu cálice!

Rasam as ondas procelárias
Paínhos, gaivotas, cagarras e andorinhas
E o albatroz que é rei nos ares
Se os versos sulcam água nos teus olhos
Como jóias muito raras e perdidas
Como os três reis finados no areal
Para viverem para sempre em livro!

Ó meu Sebastião dos dias 20 de janeiro,
Ó meu rei de beicinho como um Cupido,
Ó meu país que te comprazes em rezar deitado
Na ânsia de um rei da morte ressurgido
Em strip tease às portas do sacrário.

  Maria Estela Guedes in " Geisers", incomunidade, s/c., 2009, pp 16 - 18.
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