28/09/10

Dia 9 de outubro (sábado), às 16h00, na Livraria Bulhosa de Entrecampos em Lisboa...


. Apresentação da ANTOLOGIA
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- "O PRISMA DAS MUITAS CORES - POESIA DE AMOR PORTUGUESA E BRASILEIRA"
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- Organização: VICTOR OLIVEIRA MATEUS
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- Prefácio: ANTÓNIO CARLOS CORTEZ
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- Colaboram os POETAS:
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- ADALBERTO ALVES, AGRIPINA COSTA MARQUES, ALBANO MARTINS, ALBERTO DA
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- COSTA E SILVA, ALBERTO SOARES, ALEXANDRE BONAFIM, ALEXEI BUENO, ALICE
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- FERGO, ALICE VIEIRA, ÁLVARO CARDOSO GOMES, AMÉLIA VIEIRA,
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- ANA HATHERLY, ANA LUÍSA AMARAL, ANA MIRANDA,
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- ANTÓNIO DE ALMEIDA MATOS, ANTONIO BRASILEIRO,
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- ANTÓNIO CARDOSO PINTO, ANTÓNIO CARLOS CORTEZ,
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- ANTONIO CARLOS SECCHIN, ANTONIO CÍCERO, ANTÓNIO JOSÉ QUEIROZ,
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- ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA, ANTONIO MIRANDA, ANTÓNIO RAMOS ROSA,
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- ANTÓNIO SALVADO, ARTUR F. COIMBRA, CARLOS FERREIRA AFONSO,
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- CARLOS NEJAR, CARLOS VAZ, CASIMIRO DE BRITO, CLÁUDIO LIMA, CLÁUDIO NEVES,
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- CLERI APARECIDA BIOTTO BUCCIOLLI, daniel gonçalves, DIRCEU VILLA, DONIZETE
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- GALVÃO. E. M. DE MELO E CASTRO, ERNESTO RODRIGUES, EUNICE ARRUDA,
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- FERNANDO ESTEVES PINTO, FLÁVIO MOREIRA DA COSTA, FLORIANO MARTINS,
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- FLORISVALDO MATTOS, GILBERTO MENDONÇA TELES, GISELA RAMOS ROSA,
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- GLÓRIA DE SANT'ANNA, GONÇALO SALVADO, GRAÇA PIRES, HÉLIA CORREIA,
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- HENRIQUE LEVY, HENRIQUE MANUEL BENTO FIALHO, HUGO MILHANAS MACHADO,
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- IACYR ANDERSON DE FREITAS, ILDÁSIO TAVARES, INÊS LOURENÇO, ISABEL
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- WOLMAR, IVAN JUNQUEIRA, JAIME ROCHA, JOÃO DE MANCELOS, JOÃO NEGREIROS,
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- JOÃO RICARDO LOPES, JOÃO RUI DE SOUSA, JOAQUIM CARDOSO DIAS,
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- JOEL HENRIQUES, JORGE REIS-SÁ, JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA, JOSÉ DO CARMO
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- FRANCISCO, JOSÉ EMÍLIO-NELSON, JOSÉ FÉLIX DUQUE, JOSÉ JORGE LETRIA,
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- JOSÉ MANUEL CAPÊLO, JOSÉ MANUEL MENDES, JULIANA MIRANDA, LARA DE LEMOS,
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- LÊDO IVO, LUÍS ADRIANO CARLOS, LUÍS FILIPE CRISTÓVÃO, MAIARA GOUVEIA,
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- manuel a. domingos, MANUEL MADEIRA, MANUEL NETO DOS SANTOS, MARCO
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- LUCCHESI, MARGARIDA VALE DE GATO, MARIA ALBERTA MENÉRES, MARIA
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- ANDRESEN, MARIA AUGUSTA SILVA, MARIA AZENHA, MARIA DO CARMO CAMPOS,
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- MARIA CARPI, MARIA ESTELA GUEDES, MARIA JOÃO FERNANDES, MARIA LUCÍLIA
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- MELEIRO, MARIA QUINTANS, MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, MARIA DO SAMEIRO
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- BARROSO, MARIA TERESA DIAS FURTADO, MARIA TERESA HORTA, MARIA TOSCANO,
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- MARIANA IANELLI, MÁRIO CLÁUDIO, MATILDE ROSA ARAÚJO, MIGUEL-MANSO,
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- MILTON TORRES, MYRIAM FRAGA, NEIDE ARCHANJO, NUNO DEMPSTER,
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- NUNO JÚDICE, OLGA SAVARY, PAULO FRANCHETTI, PAULO MOREIRAS, PAULO
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- TAVARES, PEDRO LYRA, PEDRO SENA-LINO, POMPEU MIGUEL MARTINS, RENATA
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- PALLOTTINI, RICARDO DOMENECK, RODRIGO PETRONIO, ROSA ALICE BRANCO,
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- RUI ALMEIDA, RUI COIAS, RUI COSTA, RUI LAGE, RUY ESPINHEIRA FILHO, RUY
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- VENTURA, SEOMARA DA VEIGA FERREIRA, SÉRGIO NAZAR, TERESA RITA LOPES,
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- TERESA VIEIRA, TIAGO NENÉ, URBANO TAVARES RODRIGUES, valter hugo mãe,
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- VERA LÚCIA DE OLIVEIRA, VERGÍLIO ALBERTO VIEIRA, VICTOR OLIVEIRA MATEUS e
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- VÍTOR OLIVEIRA JORGE.
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- A apresentação estará a cargo do poeta e crítico literário que prefaciou a obra.
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27/09/10

" Dormiam e acordavam no teu sangue/ o único jardim a que chamavam casa. "

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Os homens vinham soprar nos teus lábios a música das folhas
e acreditavam ter nos braços a árvore onde cresceram em silêncio
durante três estações. Eram esses lábios a tuba que anunciava
a primeira morte. As pernas confundindo-se com as raízes:
nenhum escutaria de novo o chilrear das crianças
a língua dos prados tão livres de declinações.
Dormiam e acordavam no teu sangue
o único jardim a que chamavam casa.

Catarina Nunes de Almeida in "A Metamorfose das Plantas dos Pés", Deriva Editores,
Porto, 2008, p 24.
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"Um corpo sem pegadas/ é o lugar perfeito/ para o abandono. "

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Assisto à montanha
e não me apetece mais nada,
nem que o palco se ilumine
nem que me traduzam o texto.
Um corpo sem pegadas
é o lugar perfeito
para o abandono.

Catarina Nunes de Almeida in "A Metamorfose das Plantas dos Pés", Deriva Editores,
Porto, 2008, p 41.
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26/09/10

" Son aguas subterráneas/ están enfermas/ vertidas unas sobre otras, "

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"Bodegón sin voz"

Hemos llegado al origen
de estas aguas creadas por el viento
solas
de las que no brota ninguna voz.
En su interior viven plantas acuáticas
cuyos nombres desconozco,
viven impulsivas e indestructibles
junto a los peces y las caracolas.

Otra noche más
sintiendo cerca sus lenguas vegetales
la arrítmica entrada de luz.

Una rama luminosa
una figura quebrada
de transparencia infinita
permanece petrificada
flotando,
nada más se mueve.

Son aguas subterráneas
están enfermas
vertidas unas sobre otras,
las plantas no deberían estar ahí
ningún ser vivo
no hay oxígeno
no hay palabras que broten de este agua.

Julia Barella in "Aguas Profundas", Huerga y Fierro Editores, Madrid, 2008, p 32.
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25/09/10

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O vinho, o leite, o mel
entre tuas pernas:

o gosto do fogo
que louco saboreio.


Gonçalo Salvado in " Corpo Todo ", Editora Labirinto, Fafe, 2010, p 99.
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Mirei-me no lago
mas o que vi foi teu rosto.

Gonçalo Salvado in "Corpo Todo", Editora Labirinto, Fafe, 2010, p 51.
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24/09/10

" quiero que esta memoria silenciosa/ me devuelva a la vida. "

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"Teatro de Dunas"

En este teatro de dunas,
la silueta de CCJ centra el escenario
vestida de verdes y blancos velos
baila entre la luz y las sombras
hasta desaparecer.

Horas buscando este desierto
la pureza de sus líneas
la complejidad de sus formas
su arabesco por fin desvelado.
Si hubiera vegetación me distraería,
quiero que esta memoria silenciosa
me devuelva a la vida.

Julia Barella in "Aguas Profundas", Huerga y Fierro Editores, Madrid, 2008, p 15.
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23/09/10

" caem corpos e lugares,/ gente e coisas mais, como estilhaços e pontes."

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"Sítios, caindo"

O que abisma
é ser capaz de chorar cem vezes,
afastando os braços do corpo
porque, sem ele,
os joelhos caem no chão
e à terra tornam, tornados terra.
Ou ainda encostar os olhos às nuvens,
como estrelas que passassem pelos sentidos despertos.
Caem corpos, pelo medo,
caem mansos fogos no deserto,
caem tributos já perdidos,
caem corpos e lugares,
gente e coisas mais, como estilhaços e pontes.
Caem limos, também ondas,
a maré foi que desce e sobe pela escada
da nossa testa em sonhos.
Caem risos, mesmo gestos,
a noite invade os olhos como esconsos gatos os vãos,
escapando-se em redor, surpreendida,
caem paixões e outros tempos,
mil coisas sobre a terra escura,
as romãs e outras coisas de viver,
o homem em cuja pele adormecemos,
a luz apagada quando é tarde,
a voz quando cansada,
os dedos quando em sangue,
caem mil coisas, em pedaços,
do corpo que fazemos ambulante.
O que abisma é,
tendo fugazes os olhos,
ter olhos fugazes a relembrar as palavras,
sem pô-las de lado como coisas impolutas.
Entender o sol sobre a curva dos ombros,
afagando o que na estrada se cumpre e é imenso:
um grito, uma ruína,
uma unida janela.

Helena Carvalhão Buescu in "De onde nascem os rios", Editorial Presença,
Lisboa, 1998, pp 69 - 70.
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22/09/10

" O que abisma é ter olhos fugazes/ correndo sobre a terra "

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"Falando Pela Voz"

O que abisma é ter olhos fugazes
correndo sobre a terra
sem resgatar todos os passos,
sem pô-los de lado como coisas impolutas.
O que abisma
é esse abismo não ser de coisas que dizemos,
o silêncio não gastar o horizonte
e ser tal que a deusa oculta e expõe.

Se vozes possuímos,
porque não falar a gosto do que em viagem escrevemos?
Se olhos, recatados, foi que vimos,
porque não traçar a recta luz com que escutamos?
Se por gestos já imaginámos,
porque não falar de onde os rios bem partimos?

Sempre soubemos, no fundo, e guardámos o que
nem ao tempo fora dado conhecer:
voltar a casa nem sempre,
nem sempre é possível, como estrela.

Helena Carvalhão Buescu in " De onde nascem os rios", Editorial Presença,
Lisboa, 1998, p 25.
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21/09/10

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ESTÁS PARA ALÉM
de ti,
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para além de ti
está o teu destino,
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de olhos brancos, fugido a
um cântico, algo se aproxima dele,
que ajuda
a arrancar a língua,
também ao meio-dia, lá fora.
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PROJECTADO
na via de esmeralda,
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buraco de larva, buraco de estrela, com todas
as quilhas
procuro-te,
Sem-fundo.
.
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TODAS AS FORMAS DO SONO, cristalinas,
que assumiste
na sombra da linguagem,
.
a elas
conduzo eu o meu sangue,
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os versos de imagens, a esses
vou albergá-los
nas veias cortadas
do meu conhecimento -
.
o meu luto, bem vejo,
corre para ti.
.
.
A MIM que me afogo
atiras-me com ouro:
talvez um peixe
se deixe subornar.
.
.
PEQUENA NOITE: quando me
levares, levares
lá para cima,
três palmos de sofrimento sobre
o solo:
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todos os casacos mortuários de areia,
todos os inúteis,
tudo o que por lá ainda
ri
com a língua -
(...)
.
Paul Celan in "Sete Rosas Mais Tarde - Antologia Poética", Edições Cotovia, Lisboa,
1996, pp 175 - 177 ( Tradução de Yvette K. Centeno e João Barrento).
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Nota: o texto acima transcrito é um excerto de um dos últimos livros de Paul Celan: "A Cerca do Tempo".
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20/09/10

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"Salmo"


Ninguém nos moldará de novo em terra e barro,
ninguém animará pela palavra o nosso pó.
Ninguém.

Louvado sejas, Ninguém.
Por amor de ti queremos
florir.
Em direcção
a ti.

Um Nada
fomos, somos, continuaremos
a ser, florescendo:
a rosa do Nada, a
de Ninguém.

Com
o estilete claro-de-alma,
o estame ermo-de-céu,
a corola vermelha
da purpúrea palavra que cantámos
sobre, oh sobre
o espinho.

Paul Celan in "Sete Rosas Mais Tarde", Edições Cotovia, Lisboa, 1996,
pp 103 - 105 (Tradução de Yvette K. Centeno e João Barrento).
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17/09/10

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"Elogio da Distância"


Na fonte dos teus olhos
vivem os fios dos pescadores do lago da loucura.
Na fonte dos teus olhos
o mar cumpre a sua promessa.

Aqui, coração
que andou entre os homens, arranco
do corpo as vestes e o brilho de uma jura:

Mais negro no negro, estou mais nu.
Só quando sou falso sou fiel.
Sou tu quando sou eu.

Na fonte dos teus olhos
ando à deriva sonhando o rapto.

Um fio apanhou um fio:
separamo-nos enlaçados.

Na fonte dos teus olhos
um enforcado estrangula o baraço.

Paul Celan in "Sete Rosas Mais Tarde", Edições Cotovia, Lisboa, 1996,
p 13 (Tradução de Yvette K. Centeno e João Barrento).
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16/09/10

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"Francesca da Rimini"


tudo é consumpto
e febril

a terra calcinada ascende em fuso
e à noite cai
manchando minha face e de cinza
e de rubro. rubro a que alembre
o calor do teu zelo, cinza meu luto

a corrente destes ventos o espaço desassenta
e, desfeita a minha coma e na lembrança tua
emaranhada, arrasta-me por entre os friíssimos astros

Milton Torres in "Andaimes", Ateliê Editorial, São Paulo, 2006, p 78.
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"Madrigal a uma negra"



a branca é chocha e não tem o teu bodum
oh Chica!
a tua bunda as sete saias enfuna
qual duas morangas inchadas da chuva.
esconde a noite a tua pele
mas acho-te pelo cheiro oh Chica
ou pl'os dentes quando ris
que mais faíscam que as faíscas mais todas
do rio

Milton Torres in "No Fim das Terras", Ateliê Editorial, São Paulo, 2005, p 146.
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15/09/10

"Espantosamente ricos e, por isso,/ espantosamente pobres."

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"Cidadãos"
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Venho de um tempo mais frio. Antes da alba,
caminhos gelados levavam sombras caladas
aos janelões sujos das fábricas.
Hoje aquelas sombras do passado
que ensurdeceram o mundo com os seus cantos
olham de dentro de mim. Nada percebem.
Contemplam, opulenta, uma miséria
que nem sabe que é miséria.
É o final de um sonho. É o momento
de democratizar a arte. Nenhuma árvore alta.
Espantosamente ricos e, por isso,
espantosamente pobres.
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Joan Margarit in "Casa da Misericórdia", Ovni, Entroncamento, 2009, p 39.
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" É a minha debilidade que te vence, "

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"Etimologias"

É a minha debilidade que te vence,
a essência mais pura do martírio.
Ao conhecermo-nos éramos tão jovens,
mas já te abri esta ferida:
uma porta por onde tu cada vez
vais mais longe e, então, voltas mais tarde.
Amor vem de um impulso,
de forçar e torturar. De cavalgar.

Joan Margarit in "Casa da Misericórdia", Ovni, Entroncamento, 2009, p 21.
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14/09/10


algures por aí deve existir um deus disfarçado de deslumbre. uma força a tremer por entre ravinas e vales objectos e neves. como se imóvel na contemplação dos raios e das tempestades fosse mais que um invisível olhar sobre a luz e a sombra. algo ou alguém que nos respira e cativa como música ou água debaixo deste céu onde somos batentes de uma janela devassada.
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algures no fim dos dias alguém nos segura. seja fio de prumo ou acerto com o sol. um corpo a comandar fulgurâncias e desvelos. espelhos vagabundos a serem mais diversos que os gestos.
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e se no intervalo o eterno é raso arraso-me. faço-me um pouco mais ao dia. que alguém não me quer ainda de cinzas. como se as palavras por dizer ainda estivessem anoitecidas. ainda.
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. que assim entenda a errante subversão de uma alegria. que assim seja o corpo dilacerado de luz e espanto na curva do fogo mais puro. que assim nos falem sem feridas nem dissipação. que assim e ainda nos acrescentem
a inesquecível incandescência do luminoso. ainda existe o original momento de ser outra vez a vez do fulgor. ainda.
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Isabel Mendes Ferreira in "As Lágrimas Estão Todas na Garganta do Mar", Arcádia,
Lisboa, 2010, p 153.
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13/09/10

"car on ne doit pas réveiller la moindre chose/ quand le soleil est en errance "


Minute sainte
emplie des adieux
du plus aimé,
minute
dans laquelle l'univers
enfonce ses racines illisibles
unie
à la géométrie des oiseaux en vol aveugle,
pentacle des vers
qui rongent et creusent la nuit
.
unie au bélier
qui pâture dans son image en écho
et à la résurrection des poissons
après le mitan de l'hiver.
.
De son oeil unique,
et brûlant le coeur,
le soleil cligne
et de sa patte de lion dans le fuseau
resserre et resserre le filet
toujours plus
autour des souffrants
.
car on ne doit pas réveiller la moindre chose
quand le soleil est en errance
.
et parti au large
de trop de nostalgie
le corps sinon meurt
abandonné
dans le visage égaré des vents.
.
.
Nelly Sachs in "Exode et métamorphose", Éditions Verdier, s/c., 2002, p 108
(tradução do alemão para o francês de Mireille Gansel).
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12/09/10

"porque elas vagueiam como uma luz rara/ e apresentam-se com uma intensa serenidade "


As pessoas felizes são aquelas que não ignoram o mundo
porque elas vagueiam como uma luz rara
e apresentam-se com um intensa serenidade
tão hábeis e tão perfeitas.
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É limpo o coração dessas pessoas
absorvem os nossos dias loucos
e acendem inúmeras velas emocionais diante da nossa vida.
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O amor é o fósforo dos actos das pessoas felizes
e elas transportam a chama e queimam
os erros dos corações nocturnos
deixam vestígios de brilho nos sentimentos vazios
em cada passo de luz sobre um rosto desconhecido.
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Fernando Esteves Pinto in "Área Afectada", Temas Originais, Coimbra, 2010, p45.
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" Linguagem devorante em fuga/ sobre um invisível caminho. "

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Também este silêncio está como que ausente
quando recomeço a leitura dos teus lábios.
Aqui, no limiar da pele, sou a única palavra
que arde em ti uma língua cheia de cantos e silêncios.
O poema és sempre tu:
corpo de luz frutífera
árvore acolhedora no peito das palavras.

Linguagem devorante em fuga
sobre um invisível caminho.

Fernando Esteves Pinto in "Área Afectada", Temas Originais, Coimbra, 2010, p 31.
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11/09/10



Sinto-a presa a mim.
Que posso fazer?
Afasto-a rudemente,
mas ela volta.
Toca-me o braço,
mas eu insulto-a.
Roça-me devagarinho o cabelo
- qual mestra de todas as seduções -
e eu praguejo.
Canta, zumbe, volteia...
Feiticeira extenuada
olha-me languidamente
através do espelho.
Sim, não me restam quaisquer dúvidas:
está presa a mim!
- Ó pobre mosca sofredora
a janela é do outro lado!

Victor Oliveira Mateus

10/09/10

" Sabré de mí mientras mantenga vivo/ ese lúcido espacio de claridades/ que comparto con el desconocido "


"Noche Alta"
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De este silencio sin angustia me sé
deudor, y no me duele ni espero respuesta.
Tampoco me atrevería a preguntar.
Todo lo que me da la noche alta es cálido
y me entusiasma, porque el presente recula
y se diluye como una sombra de la sombra.
Aquello que sólo puedo decir en voz baja
resuena en el tiempo, a pleno misterio.
Con los dedos llenos de noche repaso
todos los rostros posibles, hasta que un gesto
toma forma en mí, coloreado
por la añoranza y el deseo. Perdidos reinos.
Sabré de mí mientras mantenga vivo
ese lúcido espacio de claridades
que comparto con el desconocido
generoso y fiel que me acompaña.
.
Miquel Martí i Pol in "Después de Todo", DVD ediciones, Barcelona, 2002, p 57 (edição
bilingue, tradução do catalão para o castelhano de Carles Duarte e Emili Suriñach).
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" Mirar a la vida cara a cara es un/ recomendable y prudente ejercicio/ de humildad..."

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"A Modo de Exordio"

Cualquiera de nosotros, perdedores
irreverentes y lúcidos, y también
cualquiera de ellos, los otros, instalados
en castas de poder y privilegio,
una mañana cualquiera, desde la triste
permuta del espejo, podemos sentirnos
exiliados sin salir de casa.
Y qué haremos, entonces? Invocaremos
leyes y preceptos? Pediremos cuentas
a los descreídos? Renegaremos de los dioses?
Así se expresa el tiempo, sin ningún tipo
de impiedad, y bueno es saberlo y decirlo
para probar de vivir con los sentidos
y los sentimientos en perpetua vigilia.
Mirar a la vida cara a cara es un
recomendable y prudente ejercicio
de humildad, una activa y discreta
conspiración que nos acerca a aquel núcleo
tan olvidado de nosotros mismos
en el que a veces es duro descubrirse.
Crecer es también saber que la tristeza
e incluso la afrenta no son, por suerte,
exclusiva de los viles, sino un grotesco
patrimonio de todos, y que por los ojos
de los marginados, de los pobres, de los vencidos,
se nos va a todos el gozo de vivir
armoniosamente y con alegría.

Miquel Martí i Pol in "Después de Todo", DVD ediciones, Barcelona, 2002, pp 41 - 43
(Edição bilingue, tradução do Catalão para o Castelhano de Carles Duarte e Emili Suriñach).
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09/09/10


"Madrigal"
.
Foi milagre? Ideia louca.
Mas que mais posso dizer
Desta profunda alegria
De ver a alma aparecer
No riso da tua boca?
.
Ainda se fosse a tua,
Entendia,
Mas a minha que faz lá?
Parece um caso da lua
(Tais coisas não são de cá)
Andar-me a alma contigo:
Foi milagre. Bem o digo.
.
José Saramago in "Provavelmente Alegria", Editorial Caminho, Lisboa, 1985, p 93.
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          " Noite Branca "


Sírio brilha no alto. Sobre o rio
O silêncio do fundo se difunde.
As colunas doiradas que sustentam
A terra luminosa, como estátuas sagradas,
São labaredas de água.
Duas sombras perdidas na fogueira,
Dois murmúrios de mágoa.
Esta hora é nocturna e verdadeira:
Sírio julga do alto, enquanto as sombras,
Confundidas de espanto e de miséria,
Se calam para ouvir nas águas calmas
A palavra e o canto.

José Saramago in "Provavelmente Alegria", Editorial Caminho, Lisboa, 1985, p 82.
.
.
         " Como um vidro estalado "


Como um vidro estalado. A quem me ler
Não direi, já agora, se esta imagem
Vem serena dos ramos que perderam
As folhas contra o céu, ou se mastigo
Qualquer raiva escondida.
Como doendo, ou sendo, ou mastigando,
Sejam rendas aéreas, alma ferida,
Fecho, brusco, o poema onde não digo.

José Saramago in "Provavelmente Alegria", Editorial Caminho, Lisboa, 1985, p 62.
.

08/09/10


É lícito me dizeres, que Manan, tua mulher
Virá à minha Casa, para aprender comigo
Minha extensa e difícil dialética lírica?
Canção e liberdade não se aprendem
.
Mas posso, encantada, se quiseres
.
Deitar-me com o amigo que escolheres
E ensinar à mulher e a ti, Dionísio,
.
A eloquência da boca nos prazeres
E plantar no teu peito, prodigiosa
Um ciúme venenoso e derradeiro.
.
.
Hilda Hilst in "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão", Editora Globo,
São Paulo, 2003, p 65.
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07/09/10

                         (A) DIFERENÇA FAZ-SE


Dizer: "Não percebo o que isto significa" é, pelo menos, reconhecer que "isto" significa. O problema é que o sentido não é uma totalidade de igualdade e previsibilidade. Dentro de cada palavra, cada frase, o sentido tem escorregado um bocado para fora da linha de visão e tudo o que nos resta são traços, sombras, cinzas ainda quentes. O sentido acessível através da língua vai além do caso específico desta palavra, daquela palavra. Um texto é um lugar onde um labirinto de sentidos continuamente reveladores estão acessíveis, um lugar que oferece mais possibilidade do que podemos ter a certeza de saber, algumas vezes mais do que queremos saber. Não é um recipiente, estático e aparente. É, pelo contrário, ruidoso, muitas vezes ilegível. Ler na direcção do sentido começa com uma vista de olhos inquiridora, um dobrão aparentemente óbvio num mastro. A multiplicidade pode ser lida, devia ser lida, até mesmo representada. Mas por outro lado, talvez o sentido seja intransitivo e legível, só destinado a ser feito. Assim que o nomeamos, dissipa-se. É certo que nos foge. Desperta-nos para tentar compreender, para interpretar. Mas isto é normalmente insatisfatório porque seja qual for a direcção da nossa aproximação só nos leva a suspeitar que não existe uma só direcção. Não há um único sentido correcto porque não há "correctos" que fiquem quietos o tempo suficiente para serem apanhados. Mas porque não sabemos não significa que estamos perdidos. Alguma coisa estranhamente familiar, não exactamente o que esperamos, mas familiar, está presente. Aquele bloquear pequeno e rápido num devaneio, um suspiro súbito de reconhecimento, um pequeno soluço de bébé. Escrever na direcção do sentido começa na página branca, intenção apenas. Esta clareza ofuscante inicial tem que ser desfeita antes de sermos levados a aceitar um paradigma encenado e diluído do "real", a boa velha familiar lucidez da frase, herdada, perceptível, inconfundível que se sente protegida e segura, uma frase simples, uma frase tal-como-a-última-vez. (A) diferença faz-se. O sentido gera-se e amplifica-se, para além de si próprio, mas nunca se esquece: fragmentos da sua memória e da sua potência excedem-se com sentido cheio de desejo que só pode ser encontrado escondido entre as palavras e as linhas e numa margem suficientemente grande para mais pensamento, a música no âmago do pensamento, força.
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Fred Wah in "Poesia Contemporânea do Canadá", Antígona, Lisboa, 2010, p 277.
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06/09/10

"A olhar para cima para o veio do contraplacado daquelas paredes, "


"Estruturas Imensas"

O poema é sem dúvida uma estrutura imensa. Partes
que ainda não viste podem fazer-te estremecer.

Uma luz pendurada debaixo do capô aberto do carro, todas
aquelas coisas oleosas lá dentro, alguém a trabalhar no motor
talvez o teu pai.

A luz a ressaltar da parede da garagem, a imensa
sombra, linhas de luz
todas torcidas contra as ferramentas.

A olhar para cima para o veio do contraplacado daquelas paredes,
inacabadas, o pladur nunca lhes foi acrescentado.
Uma viagem de luz até às estrelas com astronautas.

Quem "podia" ou "não podia" ser astronauta (argumento).
Engenheiro, a construir pontes cívicas
sobre o Rio Bow.

Faz todo o sentido, disseram-lhe, és uma menina, não
podes ser astronauta. Ouve o Sr. Krupa, querida,
nem podes ser engenheiro.

Erín Moure in "Poesia Contemporânea do Canadá", Antígona, Lisboa, 2010, p 207.
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05/09/10


" Mar de oeste"
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Eis que do seu dorso despontaram garras!
No vértice onde se embalavam peixes
nasceram asas,
num anseio de pombas
mortas implumes...
.
Eis que o líquido e o denso se casaram
formando um monstro: rochedo e cavalo,
serpente e águia,
grilheta e asa!
E num barco de papel navego eu!
.
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Madalena Férin in "Poemas", 1957.
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04/09/10

Poema VIII de "Dez Chamamentos ao Amigo"
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De luas, desatino e aguaceiro
Todas as noites que não foram tuas.
Amigos e meninos de ternura

Intocado meu rosto-pensamento
Intocado meu corpo e tão mais triste
Sempre à procura do teu corpo exato.

Livra-me de ti. Que eu reconstrua
Meus pequenos amores. A ciência
De me deixar amar
Sem amargura. E que me dêem

A enorme incoerência
De desamar, amando. E te lembrando

- Fazedor de desgosto -
Que eu te esqueça.

Hilda Hilst in "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão", Editora Globo,
São Paulo, 2003, p 25.
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03/09/10

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Poema I de "Dez chamamentos ao amigo"
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Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
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Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
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Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
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Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
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Hilda Hilst in "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão", Editora Globo,
São Paulo, 2003, p 17.
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01/09/10

Eugénia Bettencourt diz poesia de Inez Andrade Paes.

"Poema"
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Sabes quando choras
e o silêncio está dentro sem lágrimas?
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Sabes quando morrem as árvores
e não podes fazer nada
e não tens posse de vida porque ela não te foi dada?
A não ser que as sabias ali e as vias de mãos sempre dadas
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Sou agora assim como mutilada
de uma assombração inúmera desagregada à volta do pescoço
com duas mãos apertadas
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Sabes quando choras
entre um pecado
uma fúria de raiva que não era precisa porque o tempo
que estava
não o vias
passava sem o teres de perto
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Sou agora assim
presa com os nós dos dedos
ao chão
onde tuas astes e braços tombaram
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Sabes?
Leva-me agora
não olho para o céu
fico calada
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Inez Andrade Paes (Pré-publicação)
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