algures por aí deve existir um deus disfarçado de deslumbre. uma força a tremer por entre ravinas e vales objectos e neves. como se imóvel na contemplação dos raios e das tempestades fosse mais que um invisível olhar sobre a luz e a sombra. algo ou alguém que nos respira e cativa como música ou água debaixo deste céu onde somos batentes de uma janela devassada.
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algures no fim dos dias alguém nos segura. seja fio de prumo ou acerto com o sol. um corpo a comandar fulgurâncias e desvelos. espelhos vagabundos a serem mais diversos que os gestos.
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e se no intervalo o eterno é raso arraso-me. faço-me um pouco mais ao dia. que alguém não me quer ainda de cinzas. como se as palavras por dizer ainda estivessem anoitecidas. ainda.
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. que assim entenda a errante subversão de uma alegria. que assim seja o corpo dilacerado de luz e espanto na curva do fogo mais puro. que assim nos falem sem feridas nem dissipação. que assim e ainda nos acrescentem
a inesquecível incandescência do luminoso. ainda existe o original momento de ser outra vez a vez do fulgor. ainda.
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Isabel Mendes Ferreira in "As Lágrimas Estão Todas na Garganta do Mar", Arcádia,
Lisboa, 2010, p 153.
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