07/09/10

                         (A) DIFERENÇA FAZ-SE


Dizer: "Não percebo o que isto significa" é, pelo menos, reconhecer que "isto" significa. O problema é que o sentido não é uma totalidade de igualdade e previsibilidade. Dentro de cada palavra, cada frase, o sentido tem escorregado um bocado para fora da linha de visão e tudo o que nos resta são traços, sombras, cinzas ainda quentes. O sentido acessível através da língua vai além do caso específico desta palavra, daquela palavra. Um texto é um lugar onde um labirinto de sentidos continuamente reveladores estão acessíveis, um lugar que oferece mais possibilidade do que podemos ter a certeza de saber, algumas vezes mais do que queremos saber. Não é um recipiente, estático e aparente. É, pelo contrário, ruidoso, muitas vezes ilegível. Ler na direcção do sentido começa com uma vista de olhos inquiridora, um dobrão aparentemente óbvio num mastro. A multiplicidade pode ser lida, devia ser lida, até mesmo representada. Mas por outro lado, talvez o sentido seja intransitivo e legível, só destinado a ser feito. Assim que o nomeamos, dissipa-se. É certo que nos foge. Desperta-nos para tentar compreender, para interpretar. Mas isto é normalmente insatisfatório porque seja qual for a direcção da nossa aproximação só nos leva a suspeitar que não existe uma só direcção. Não há um único sentido correcto porque não há "correctos" que fiquem quietos o tempo suficiente para serem apanhados. Mas porque não sabemos não significa que estamos perdidos. Alguma coisa estranhamente familiar, não exactamente o que esperamos, mas familiar, está presente. Aquele bloquear pequeno e rápido num devaneio, um suspiro súbito de reconhecimento, um pequeno soluço de bébé. Escrever na direcção do sentido começa na página branca, intenção apenas. Esta clareza ofuscante inicial tem que ser desfeita antes de sermos levados a aceitar um paradigma encenado e diluído do "real", a boa velha familiar lucidez da frase, herdada, perceptível, inconfundível que se sente protegida e segura, uma frase simples, uma frase tal-como-a-última-vez. (A) diferença faz-se. O sentido gera-se e amplifica-se, para além de si próprio, mas nunca se esquece: fragmentos da sua memória e da sua potência excedem-se com sentido cheio de desejo que só pode ser encontrado escondido entre as palavras e as linhas e numa margem suficientemente grande para mais pensamento, a música no âmago do pensamento, força.
.
Fred Wah in "Poesia Contemporânea do Canadá", Antígona, Lisboa, 2010, p 277.
.