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Poema 1 de "Canto e Lamentação na Cidade Ocupada"
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Ei-la a cidade envolta em dor e bruma
Ei-la na escuridão serena resistindo
Hierática Estranha Sem medida
Maior do que a tortura ou o assassínio
Ei-la virando-se na cama
Ei-la em trajes menores Ei-la furtiva
seminua sensual e no entanto pura
Noiva e mãe de três filhos Namorada
e prostituta Virgem desamparada
e mundana infiel Corpo solar desejo
amor logro bordel soluço de suicida
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Ei-la capaz de tudo Ei-la ela mesma
em praças ruas becos boites e monumentos
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Ei-la ocupada inerte desventrada
com música de tiros e chicote
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Ei-la Santa-Maria-Ateia maculada
ignóbil e miraculosamente erecta
branca quase feliz quase feliz
Ei-la resplendente de amor teoria
e prática nocturna mistério acontecido
doce habitável ah sobretudo habitável
vestido acolhedor café à noite
a voz distante e amada ao telefone
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Ei-la a que fica e sobrevive
e reflecte neons nos lagos do jardim
mesmo quando partimos e as lágrimas inúteis
roçam de espanto a solidão crescendo
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Ei-la a cidade prometida
esperamos por ela tanto tempo
que tememos olhar o seu perfil exacto
flor da raiz que somos
meu amor
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Daniel Filipe in "A invenção do amor e outros poemas", Editorial Presença,
Lisboa, 1972, pp 49 - 51.
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