20/08/12
" Dobrada à Moda do Porto "
Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada ( e era à moda do Porto ) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...
( Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim.
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
Pessoa, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Edições Ática, 1980, pp 310 - 311.
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" Nem só "
Nem só do teu silêncio
direi raiva
Nem de todo o meu corpo
direi vício
nem de todo o pénis
direi arma
e apenas do teu direi ter sido
Quando o vácuo é de
vingar
ou de vergar
cravando sobre os seios a sua enxada
Quando a minha boca se conjuga
no baixo do teu ventre
e tua espada...
nem de todo o desejo
direi verão
nem de todo o grito
a tua imagem
nem de toda a ausência
direi chão
e só de teus flancos
a viagem
Horta, Maria Teresa. Antologia Poética. S/c.: Círculo de Leitores, 1994, p 231 ( Selecção de poemas de David Mourão-Ferreira).
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19/08/12
" 9h15 "
El hombre se sienta en una de las mesas de la terraza
Terraza fría en esta mañana igualmente fría
El hombre se acomoda su gorra sebosa,
la chaqueta desgarbada, sus pantalones desteñidos
en esta mañana igualmente desteñida
El hombre saca de su bolso un pequeño transístor
lo limpia delicadamente con su manga grasienta,
lo acaricia, escucha encantado aquellas voces roncas,
las intraducibles resonancias
El hombre habla con su transístor
Gesticula
Repite con insistencia algunas expresiones
Al principio nos mira con una cierta altivez
pero luego se desinteresa para poder olvidarnos
El hombre de la gorra sebosa y enamorado
de su transístor
ha sido mi primera enseñanza del dia.
Mateus, Victor Oliveira. Revista Bora Nº 2, Agosto, 2012 ( traducción de José Ángel Garcia Caballero )
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16/08/12
" À Inglaterra"
( Fragmento )
Ó cínica Inglaterra, ó bêbeda impudente,
Que tens levado, tu, ao negro e à escravidão?
Chitas e hipocrisia, evangelho e aguardente,
Repartindo por todo o escuro continente
A mortalha de Cristo em tangas d'algodão.
Vendes o amor ao metro e a caridade às jardas,
E trocas o teu Deus a borracha e marfim,
Reduzindo-lhe o lenho a c'ronhas d'espingardas,
Convertendo-lhe o corpo em pólvora e bombardas,
Transformando-lhe o sangue em aguarrás e em gim!
Teus apóstolos vão, prostituta devassa,
Com o fim de levar os negros para o Céu,
Desde o Zaire ao Zambeze e desde o Cabo ao Niassa,
Baptizando a Impiedade em Jordões de cachaça,
Mostrando-lhe o teu Deus na tua hóstia - o guinéu!
A honra para ti é inútil bugiganga.
O teu pudor é como um Matabel sem tanga,
Monstruoso ladrão, bárbaro traficante;
Compras a alma ao negro a genebra e missanga,
Vendendo-lhe a tua bíblia a queixais de elefante.
A tua bíblia! o teu Cristo!... A tua bíblia é uma agenda
Em que a virtude heróica a cifras se reduz.
E o teu Cristo londrino é um Deus de compra e venda,
Deus que ressuscitou para abrir uma tenda
De cortiça, carvão, álcool e panos crus!
Pela estrada da História, ó milhafre daninho,
Vai um povo seguindo o seu norte polar,
E tu és ladrão que lhe sais ao caminho,
Com manha do lobo e a coragem do vinho,
A roubar-lhe os anéis para o deixar passar!
Quando espreitas o fraco apontas a clavina,
Quando avistas o forte envergas a libré...
A tua mão ora pede esmola ora assassina...
Teu orgulho, covarde, é, meu Bayard d'esquina,
Como um tigre de rastro e um capacho de pé!
... ... ... ...
Quando já se desenha em arco d'aliança
A porta triunfal do século que vem,
por onde dez nações marchando atrás da França,
Palmas na mão, cantando um cântico d'esp'rança
Hão-de entrar numa nova, ideal Jerusalém;
... ... ... ...
Hão-de um dia as nações, como hienas dementes,
Teu império rasgar em feroz convulsão...
E no novo halali, dando saltos ardentes,
Com a baba da raiva esfervendo entre os dentes,
A bramir, levará cada qual seu quinhão!
E tu ficarás só na tua ilha normanda
Com teus barões feudais e teus mendigos nus:
Devorará teu peito um cancro aceso, a Irlanda:
E a tua carne hás-de vê-la, ó meretriz nefanda,
Lodo amassado em sangue, outro amassado em pus!
E assim como brutais monstros de pesadelo
No soturno porão duma nau sem ninguém,
Entre nuvens de fogo e temporais de gelo,
De bombordo a estibordo a rolar num novelo,
Desabando e rugindo, aos montões, num vaivém,
Se estrangulam febris, roucos, dilacerantes,
As pupilas a arder em brasas infernais,
Panteras contra leões, ursos contra elefantes,
Cobras, em redemoinho a silvar dardejantes,
Búfalos escornando os tigres e os chacais;
Assim vós, assim vós, dura raça assassina,
Sobre essa nau de pedra onde o mais vai bater,
Vos estrangulais numa carnificina,
De que só ficará, sob a densa neblina
Num pântano de sangue uma Gomorra a arder!
Milhões, milhões, milhões de bocas esfaimadas
Hão-de dilacerar-te o corpo com furor,
E a pedra a dinamite e a carne a punhaladas
Hão-de tombar no mesmo escombro ensanguentadas,
Em baques de hecatombe e blasfémias de dor!...
Hão-de os lordes rolar em postas no Tamisa!
Há-de o corpo de um rei dar um banquete a um cão!
Teu solo há-de tremer como uma pitonisa,
E a canalha sem lei, sem Deus e sem camisa
Abrirá teu bandulho infecto, oh Deus Milhão!
Bancos, docas, prisões, arsenais, monumentos,
Tudo rebentará em cacos pelo ar!...
E ao soturno fragor de teus finais lamentos
Responderão - ladrando! as cóleras dos ventos!
Responderão - cuspindo! os vagalhões do mar!
Junqueiro, Guerra. Horas de Luta. Porto: Lello & Irmão Editores, 1954, pp 75 - 78.
Nota - Este longo poema de Guerra Junqueiro está datado de Fevereiro de 1890 e tem por base o célebre Ultimatum da Inglaterra a Portugal durante o reinado de D. Carlos I. É um dos mais referidos poemas de Junqueiro.
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15/08/12
" À Tua Espera "
Tranquila e serena
a nossa casa
nos quatro cantos
o sol do meio-dia
à tua espera alegre
e descansada
injecto-me de amor às
escondidas
Sobre a garganta passo
os dedos espessos
e a roupa uma a uma
vai caindo
para que então amor
com os teus dedos
quando vieres me vás
depois vestindo
Horta, Maria Teresa. Antologia Poética. S/c.: Círculo de Leitores, 1994, p 104 (Selecção de poemas de David Mourão-Ferreira).
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13/08/12
" Origem "
Em nome do mistério
e do vício
das árvores
bebo a claridade
dos caules
e dos punhos
recebo a distância
nos olhos
o prazer é a origem
dos planetas
Em nome das mulheres
e do útero rouco
dos objectos
em nome do vício
com aves de mistério
a origem baça
da sombra nas gargantas
Horta, Maria Teresa. Antologia Poética. S/c.: Círculo de Leitores, 1994, p 44 ( Selecção de poemas de David Mourão-Ferreira).
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12/08/12
E agora teria perecido Eneias soberano dos homens,
se arguta não se tivesse apercebido a filha de Zeus, Afrodite,
sua mãe, que o concebeu para Anquises quando ele tratava do gado.
Em torno do filho amado lançou ela os alvos braços, estendendo
à frente dele uma prega da sua veste resplandecente como barreira
contra os projécteis, não fosse algum dos Dânaos de rápidos poldros
arremessar-lhe bronze contra o peito e roubar-lhe a vida.
Levou ela então o filho amado para longe da guerra.
(...)
Mas quando chegou ao pé dela, após tê-la perseguido por entre
a multidão, foi então que o filho do magnânimo Tideu
lhe feriu a superfície da mão delicada com o bronze afiado;
e de imediato a lança lacerou a carne através da veste ambrosial.
que as próprias Graças lhe tinham tecido, na parte do pulso
acima da palma da mão. Jorrou o sangue imortal da deusa,
o ícor, que tem seu fluxo nos deuses bem-aventurados.
É que eles não comem pão, nem bebem o vinho frisante:
e por isso são exangues e têm o nome de imortais.
A deusa gritou alto e deixou cair o filho.
Mas tomou-o nos seus braços Febo Apolo e envolveu-o
numa nuvem escura, não fosse algum dos Dânaos de rápidos poldros
arremessar-lhe bronze contra o peito e roubar-lhe a vida.
Mas gritando alto lhe disse Diomedes, excelente em auxílio:
" Afasta-te, ó filha de Zeus, da guerra e da refrega!
Não te basta iludires as mulheres na sua debilidade?
Mas se pretendes entrar na guerra, penso que a guerra
te fará estremecer, só de ouvires falar dela de longe!"
Assim falou; e ela partiu, desesperada, em grande aflição.
Foi Íris de pés como o vento que a levou da liça,
acabrunhada de dores - até a linda pele se lhe escurecia.
De seguida, à esquerda da batalha, encontrou Ares furioso,
a lança reclinada contra uma nuvem; ali estavam seus cavalos velozes.
Caindo de joelhos, logo implorou Afrodite ao querido irmão
que lhe emprestasse os cavalos com adereços de ouro:
" Querido irmão, acode-me e dá-me os teus cavalos,
para que possa chegar ao Olimpo, onde fica a sede dos imortais.
Estou muito aflita por causa da ferida infligida por um homem mortal:
o Tidida, que neste momento até contra Zeus pai combateria!"
Assim falou; e Ares deu-lhe os cavalos com adereços de ouro.
Ela subiu para o carro, desesperada no seu coração;
e para junto dela subiu Iris, que com as mãos pegou nas rédeas.
Com o chicote incitou os cavalos, que não se recusaram a correr
e depressa chegaram à sede dos deuses, ao escarpado Olimpo,
... ... ... ... ...
Homero. Ilíada, Canto V, 311 - 367. Lisboa: Livros Cotovia, 2005, pp 114 - 115 ( Tradução: Frederico Lourenço).
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09/08/12
"(...) e pedimos à vida humana que se comprimisse... "
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A mente pode ser uma ferramenta maravilhosa para a autoilusão - não foi concebida para lidar com a complexidade e incertezas não lineares. Ao contrário do discurso comum, mais informação significa mais ilusões. A nossa deteção de padrões falsos cresce cada vez mais como efeito secundário da modernidade e da era da informação: existe a desadequação entre a aleatoriedade confusa do mundo atual rico em informação, com as suas interações complexas, e as nossas intuições dos acontecimentos, baseadas num habitat ancestral mais simples. A nossa arquitetura mental está cada vez mais desajustada do mundo em que vivemos.
Isto conduz a problemas tolos: quando o mapa não corresponde ao território, há uma certa categoria de idiota - o sobreeducado, o académico, o jornalista, o leitor de jornais, o "cientista" mecanicista, o pseudoempirista, os dotados com aquilo a que chamo "arrogância epistémica", essa maravilhosa capacidade de desconsiderar o que não viram, o não-observado - quem entra em negação, imaginando que o território concorda com o seu mapa. Geralmente, esse idiota é alguém que faz a redução errada em nome da redução, ou remove algo essencial, cortando as pernas ou, melhor, parte da cabeça de um visitante ao mesmo tempo que insiste que ele preserva a sua pessoa com 95 por cento de exatidão. Vejam-se as camas procustianas que criámos, algumas benéficas, outras mais questionáveis: regulamentos, governos estruturados de cima para baixo, academia, ginásios, deslocações entre casa e o emprego, arranha-céus de escritórios, relações humanas involuntárias, emprego, etc.
(...) temos culpado o mundo por não se adaptar às camas dos modelos "racionais", tentámos mudar os seres humanos para que se adaptassem à tecnologia, adulterámos a nossa ética para que se adaptasse às nossas necessidades de emprego, pedimos à vida económica que se adaptasse às teorias dos economistas, e pedimos à vida humana que se comprimisse numa qualquer narrativa.
Taleb, Nassim Nicholas. A Cama de Procusto - Aforismos Filosóficos e Práticos. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2010, pp 106 - 107.
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08/08/12
" Tudo caixas, caixas geometricamente retas e euclidianas. "
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Nascem e são postos numa caixa; vão para casa viver numa caixa;
estudam pelo preenchimento de caixas; vão para o chamado " tra-
balho " numa caixa, onde se sentam na sua caixa-cubículo; conduzem
até à mercearia numa caixa para comprar comida numa caixa; vão
para o ginásio numa caixa para se sentarem numa caixa; falam em
pensar " fora da caixa ", criativamente; e quando morrem são postos
numa caixa. Tudo caixas, caixas geometricamente retas e euclidianas.
#
Outra definição de modernidade: as conversas podem ser cada vez
mais completamente reconstruídas com partes de outras conversas
que ocorrem ao mesmo tempo no planeta.
#
O século XX foi a bancarrota da utopia social; o XXI sê-lo-á da
utopia tecnológica.
Taleb, Nassim Nicholas. A Cama de Procusto - Aforismos Filosóficos e Práticos. Alfragide: Publicações D. Quixote, 2010, p 39.
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07/08/12
"(...) utilize-se, ao invés, a medida subtrativa..."
#
" Nível de riqueza " nada significa e não tem nenhuma medida
absoluta robusta; utilize-se, ao invés, a medida subtrativa " des-
nível de riqueza ", isto é, a diferença, em qualquer ponto tempo-
ral, entre aquilo que se tem e aquilo que se gostaria de ter.
#
As pessoas mais velhas atingem a beleza máxima quando têm
o que falta às novas: serenidade, erudição, sabedoria, phronesis
e aquela ausência de agitação pós-heroica.
Taleb, Nassim Nicholas. A Cama de Procusto - Aforismos Filosóficos e Práticos. Alfragide: Dom Quixote, 2010, p 33.
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06/08/12
02/08/12
" Qual a nau, que dos ventos combatida "
" Soneto "
Qual a nau, que dos ventos combatida
Vai entre as crespas ondas flutuando,
Ora os soberbos mastros encurvando,
Ora na branca espuma submergida;
Assim também a minha triste vida
Contra os cansados males vai lutando,
A ideia da esperança abandonando,
Qual o sábio piloto a nau perdida.
No triste pensamento em vão forcejo
Encontrar o prazer que a alma procura;
Fica sempre frustrado o meu desejo.
E tão infeliz sou que, por ventura,
Até dos néscios o viver invejo,
Que inda a mais me condena a sorte dura.
Lencastre, Catarina de. Antologia das Mulheres-Poetas Portuguesas (Org.: António Salvado). Lisboa: Edições Delfos, s/d., p 62.
Nota - Catarina de Lencastre (Guimarães, 1749 - Porto, 1824), viscondessa de Balsemão, foi admiradora frenética do Marquês de Pombal, a quem, inclusivamente, dedicou uma ode, acompanhava sempre o marido ao estrangeiro nas suas andanças diplomáticas e estava constantemente pronta a socorrer os poetas mais necessitados como por exemplo Nicolau Tolentino. Devido ao facto do amor ser o tema dominante da sua poesia, foi conhecida como a "Safo portuguesa", no entanto, nela esse tema oscila sempre entre a serenidade e a paixão vagamente incoerente. Nesta autora aparece também um dos motivos dominantes da época: a luta entre razão e sentimento. A sua poesia caracteriza-se ainda por uma grande delicadeza formal e rítmica e um fervor sentimental, que a fazem evitar quase sempre o arcadismo, contudo a sua visão irracional dos sentimentos - base do exclusivismo romântico - é por vezes abalada por uma excessiva consciência formal.
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" From the Lives of My Friends "
What are the birds called
in that neighborhood
The dogs
There were dogs flying
from branch to
branch
My friends and I climbed up the telephone poles to sit on the power lines
dressed like crows
Their voices sounded like lemons
They were a smooth sheet
They grew
black feathers
Not frightening at all
but beautiful, shiny and
full of promise
what kind of light
is that?
#
The lives of my friends spend all their time dying and coming back and dying
and coming back
They take a break in summer
to mow the piss
yellow lawns, blazing
front and
back
There is no break in winter
I fall in love with the sisters of my friends
All that yellow hair!
Their arms
blazing
They lick their fingers
to wipe my face
clean
of everything
And I am glad
I am glad
I am
so glad
#
We will all be shipped away
in an icebox
with the one word OYSTERS
painted on the outside
Left alone, for once
None of my friends wrote novels or plays, from the lives of my friends came
their lives
Here's what we did
we played in the yard outside
after dinner
and then
we were shipped away
That was fast __
stuffed
with
lemons
Dickman, Michael. The Best American Poetry. New York: Scribner Poetry, 2011, pp 25 - 27.
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01/08/12
" Não me angustia a morte/ mas os rios onde não deitei os meus olhos "
Meu caro amigo
o fim chegou como uma flecha
e não encontro a chave
para decifrar o último enigma.
Pesam-me as pálpebras e as mãos.
Houve dias em que dancei
troquei beijos
sonhei.
Agora, perto do fim
resta-me a soma das lembranças.
Passada já a última dor
acerto os passos nos últimos versos.
Não me angustia a morte
mas os rios onde não deitei os meus olhos
as pétalas que não toquei
as melodias que não ouvi
as estrelas que não espreitei.
Não vale a pena esquivar o tempo
ir buscar a cana de pesca e abalar para o rio
contar histórias aos peixes que não mordem o isco.
Resta-me ainda nos olhos
um grande reservatório de sonhos
que se embaciam.
Mas nem um vestido negro tenho
para o meu próprio luto.
Meu caro amigo
promete cobrir-me de rosas vermelhas
amanhã.
Sei que vai chover.
Não chores por mim.
Cobre-me de rosas cor de sangue
e segue para casa.
Abre a caixa de selos que te enviei pelo correio
e procura neles
as minhas impressões digitais.
No silêncio da casa
tenta tu compreender a vida
enigma de todos os meus dias
esse traço estranho que me acompanhou sempre
essa etérea luz
nem sempre chama
nem sempre ténue.
O olhar escurece-me
e nestas palavras inúteis
medito sobre o fim.
Aconchego-me na despedida
sem saber o que fui
porque nunca me forneceram
o meu livro de instruções.
Ramos, Inês. Meditações sobre o fim - os últimos poemas. S/c.: Hariemuj Editora, 2012, pp 73 - 74 ( Antologia organizada por Maria Quintans).
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