02/08/12

" Qual a nau, que dos ventos combatida "


               " Soneto "

Qual a nau, que dos ventos combatida
Vai entre as crespas ondas flutuando,
Ora os soberbos mastros encurvando,
Ora na branca espuma submergida;

Assim também a minha triste vida
Contra os cansados males vai lutando,
A ideia da esperança abandonando,
Qual o sábio piloto a nau perdida.

No triste pensamento em vão forcejo
Encontrar o prazer que a alma procura;
Fica sempre frustrado o meu desejo.

E tão infeliz sou que, por ventura,
Até dos néscios o viver invejo,
Que inda a mais me condena a sorte dura.

  Lencastre, Catarina de. Antologia das Mulheres-Poetas Portuguesas (Org.: António Salvado). Lisboa: Edições Delfos, s/d., p 62.


Nota - Catarina de Lencastre (Guimarães, 1749 - Porto, 1824), viscondessa de Balsemão, foi admiradora frenética do Marquês de Pombal, a quem, inclusivamente,  dedicou uma ode, acompanhava sempre o marido ao estrangeiro nas suas andanças diplomáticas e estava constantemente pronta a socorrer os poetas mais necessitados como por exemplo Nicolau Tolentino. Devido ao facto do amor ser o tema dominante da sua poesia, foi conhecida como a "Safo portuguesa", no entanto, nela esse tema oscila sempre entre a serenidade e a paixão vagamente incoerente. Nesta autora aparece também um dos motivos dominantes da época: a luta entre razão e sentimento. A sua poesia caracteriza-se ainda por uma grande delicadeza formal e rítmica e um fervor sentimental, que a fazem evitar quase sempre o arcadismo, contudo a sua visão irracional dos sentimentos - base do exclusivismo romântico - é por vezes abalada por uma excessiva consciência formal.
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