23/12/08


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    "Murmúrios do Mar"


"Paga-me um café e conto-te
a minha vida"

O inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
de uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteir
disso me lembro

Outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu não, tu nunca choraste
por amores que se perdem

Os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
e temos saudade desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois

"pago-te um café se me contares
o teu amor"

José Tolentino Mendonça In "A que distância deixaste o coração",
Assírio & Alvim, Lisboa, 1998, pp 27-28.
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