24/11/12
Se quiserem saber se pedi muito
Ou se nada pedi, nesta minha vida,
Saiba, senhor, que sempre me perdi
Na criança que fui, tão confundida.
À noite ouvia vozes e regressos.
A noite me falava sempre sempre
Do possível de fábulas. De fadas.
O mundo na varanda. Céu aberto.
Castanheiras doiradas. Meu espanto
Diante das muitas falas, das risadas.
Eu era uma criança delirante.
Nem soube defender-me das palavras.
Nem soube dizer das aflições, da mágoa
De não saber dizer coisas amantes.
O que vivia em mim, sempre calava.
E não sou mais que a infância. Nem pretendo
Ser outra, comedida. Ah, se soubésseis!
Ter escolhido um mundo, este em que vivo
Ter rituais e gestos e lembranças.
Viver secretamente. Em sigilo
Permanecer aquela, esquiva e dócil
Querer deixar um testamento lírico
E escutar (apesar) entre as paredes
Um ruído inquietante de sorrisos
Uma boca de plumas, murmurante.
Nem sempre há de falar-vos um poeta.
E ainda que minha voz não seja ouvida
Em dentre vós, resguardará (por certo)
A criança que foi. Tão confundida.
Hilst, Hilda. Exercícios. São Paulo: Editora Globo, 2001, pp 169 - 170.
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22/11/12
" Poema 7 do Ciclo Memória "
Vê, Ricardo, se falo tanto do ser feito de terra
É porque o resto é paisagem.
Olhei minha própria carne certa noite. E essa dor
Secular que a recobria. Tu passeavas teus olhos
Revivescendo a ilha, e meus braços castigados
Do gesto de alcançar, buscavam esse tempo de colher.
Mas eu não fui pastora. Há na terra que sou largas artérias
Mas um vento de assomos, um deslumbramento me tomava
E o gesto de plantar cristalizava-se no meu mais puro olhar.
Olhava: A figueira, a pedra umedecida da cisterna
O sol sobre o rosto das mulheres, um rosto semelhante
Àquele barro esquecido de rios. E ubíqua, viajava
Não que ali não deixasse afetos, pássaros da tarde
Cães (viajores de um dia) e presenças quando a noite
De augúrios começava. Uma parte de mim, essa de carne
E ausência, talvez não emigrasse. Os ritos, os de sempre.
Mas o olhar não era o mesmo: Pousava sobre as coisas
Mas nas coisas que via não estava.
Fui vista caminhando nos pastos. Nas vides. Muitos disseram
Que o meu corpo estendeu-se sobre a terra e de tal forma
Ficamos confundidas, que as aves descansaram de seu vôo
Na minha fronte de pedra. Adormeci nas paragens de sal
Cantei minha canção no pátio dos mosteiros, atravessei as pontes
Lavei-me nas águas de infinitas nascentes. Mas a boca,
A minha boca fechou-se procurando uma única fonte.
Hilst, Hilda. Exercícios. São Paulo: Editora Globo, 2001, p 79.
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21/11/12
" Poema 2 do Ciclo Memória "
Há certos rios que é preciso rever.
Por isso volto, Ricardo, àquelas margens
Onde na sombra um verde descansava
E um canteiro de limo sob os nossos pés
Adiante desaguava. Volto, seguindo a viagem
De mim mesma e aos poucos convergindo
Oculta, vária,
Até fechar um círculo e entender
Essa asa de fogo sobre as coisas.
Talvez neste canto eu te direi
Das estreitas passagens, do lodo
Convulsivo dos ancoradouros, dos funerais
Que vi, para chegar à luz da primeira paisagem.
Meus olhos deram volta à ilha.
Sigo pelos caminhos, transfiguro-me
Sei que um igual destino eu já cumpri
E ao mesmo tempo em tudo me descubro
Casta e incorpórea. Sou tantas,
Tantos vivem em mim e pródiga descerro-me
Pródiga me faço larva e asa.
Hilst, Hilda. Exercícios. São Paulo: Editora Globo, 2001, p 74.
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20/11/12
" e penso: não somos a soma do que julgamos saber e sim o indício de uma voz oculta. "
ft. Teresa Bonito
subtraio-me ao desperdício das falas como quem transgride um guião absurdo. remeto-me ao cerne da língua. à firmeza das margens que armam a lucidez e estancam a solidão. por cada quarto escuro acendo uma luz de presença. escuto o álibi do vento na lâmina instável das vozes e surpreendo esgares dissimulados. sigo a tactear as linhas e os pontos. os vincos e as frestas. é sempre por fora das palavras que ouso o trajecto espinhoso do silêncio. a busca da fala que é retorno da transparência. fronteira onde a pele descarna e se perfila a face triste dos anjos. e penso: não somos a soma do que julgamos saber e sim o indício de uma voz oculta. não existe linguagem convergente. apenas um movimento constante de exílio. o que nos falta transborda do silêncio das mãos.
Maria José Quintela ( Inédito )
Nota - os meus agradecimentos à Teresa Bonito e à Maria José Quintela por me terem autorizado a publicação destes trabalhos inéditos.
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19/11/12
" - de novo, as trevas "
há restos incompletos ossos que
fazem pressupor os labirintos da fome
consagrados nos textos de um templo
que perdeu no tempo qualquer semelhança
com o tolerado sim porque nada se tem
por igual e
o modo como o peixe se vende ao desbarato
da crença faz.nos antever idênticos simulacros
com diferentes trajes
.cansados em tons de calmaria tremem os
castos como se a incúria os tivesse transposto a um
cântico maior ou excelso
. circunscritos ao nada com nada se comprazem
.antes assim porque da intolerância
dos senhores do nada rezam (apenas)
os vermes que se incorporam sob a epiderme e
na derme deixam sulcos de má memória
martins, gabriela rocha. as luvas de um aprendiz (in)conformista. S/c.: Corpos Editora, 2012, p 58.
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18/11/12
" te lo he dicho con el miedo,/ te lo he dicho con la alegría, "
" Te quiero "
Te quiero.
Te lo he dicho con el viento,
jugueteando como animalillo en la arena
o iracundo como órgano tempestuoso;
Te lo he dicho con el sol,
que dora desnudos cuerpos juveniles
y sonríe en todas las cosas inocentes;
Te lo he dicho con las nubes,
frentes melancólicas que sostienen el cielo,
tristezas fugitivas;
Te lo he dicho con las plantas,
leves criaturas transparentes
que se cubren de rubor repentino;
Te lo he dicho con el agua,
vida luminosa que vela un fondo de sombra;
te lo he dicho con el miedo,
te lo he dicho con la alegría,
con el hastío, con las terribles palabras.
Paro así no me basta:
más allá de la vida,
quiero decírtelo con la muerte;
más allí del amor,
quiero decírtelo con el olvido.
Cernuda, Luis. Antología Poética. Madrid: Alianza Editorial, 1975, p 48.
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16/11/12
( Eras, instante, tan claro )
Eras, instante, tan claro.
Perdidamente te alejas,
dejando erguido al deseo
con sus vagas ansias tercas.
Siento huir bajo el otoño
pálidas aguas sin fuerza,
mientras se olvidan los árboles
de las hojas que desertan.
La llama tuerce su hastío,
sola su viva presencia,
y la lámpara ya duerme
sobre mis ojos en vela.
Cuán lejano todo. Muertas
las rosas que ayer abrieran,
aunque aliente su secreto
por las verdes alamedas.
Bajo tormentas la playa
será soledad de arena
donde el amor yazca en sueños.
La tierra y el mar lo esperan.
Cernuda, Luis. Antología Poética. Madrid: Alianza Editorial, 1975, pp 22 - 23.
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15/11/12
"A corrupção dos governos começa sempre (...) pela dos seus princípios,"
.A corrupção dos governos começa sempre, hoje como no tempo de Montesquieu, pela dos seus princípios, mas a corrupção dos princípios deve ser transmitida pelas elites para encontrar uma forma de legitimidade. Para tal, nada como a mentira histórica. Foi um dos grandes pilares do maquiavelismo de massas, no século passado. George Orwell, um dos raros espíritos que compreenderam a essência do militarismo, viu nela uma das mais horrendas violências: "Se o chefe declara que este ou aquele acontecimento não ocorreu - pois bem, não ocorreu. Se diz que dois mais dois são cinco - pois bem, dois mais dois são cinco. Esta perspectiva assusta-me mais do que as bombas." A ideia de que a mentira é uma das piores formas de destruição da humanidade não é corrente. A razão é simples: o número de colaboradores é demasiado grande e todos têm algo a censurar-se. No sistema totalitário, a mentira do carrasco era necessária porque ele procurava não a verdade mas a inculpação, e a da vítima, inevitável porque os interrogatórios provocavam a desintegração da personalidade. Mas perguntamo-nos o que poderia justificar realmente a mentira daqueles que, não arriscando absolutamente nada, contribuíam portanto para o assassínio - de longe.
Um exemplo permitirá ilustrar esta afirmação. O nosso grande poeta nacional, Louis Aragon, a quem não eram conhecidos quaisquer talentos agronómicos, escreveu, em defesa de Lyssenko, um texto que seria cómico se a batalha travada em nome desse estouvado não tivesse provocado tantos crimes na URSS. O obscuro técnico agrícola que pusera mão sobre uma parte considerável da ciência soviética esteve na origem de trinta anos de impasse agronómico. O artigo de Aragon foi publicado na revista Europe em 1948, sobre um tema em que a sua incompetência poderia ter-lhe aconselhado a discrição. Eis, no entanto, o que escreve no momento em que o "lissenkismo" está no auge em Moscovo e em que se morre por se opor à sua doutrina (...).
As teses genéticas eram consideradas "hitlero-trotskistas" e os partidários de Mendel encontravam-se na categoria condenada dos "inimigos do povo soviético". A genética não podia ser verdadeira, porque era incompatível com o materialismo dialéctico! Assim. podiam justificar-se milhões de mortos na Ucrânia, o celeiro de trigo da URSS, e no resto da União Soviética. Nas aldeias que apenas contavam cadáveres, haviam sido deixadas, ao lado dos corpos, mensagens lancinantes dirigidas aos visitantes futuros (...). As aberrações de Lyssenko permitiram a condenação à morte de inúmeros geneticistas - em especial do grande sábio Nikolai Vavilov, que morreu no campo de Saratov, em 1943 -, mas serviram sobretudo para encontrar bodes expiatórios para o falhanço da reforma agrária de Estaline na década de 1930, fracasso que conduziu a que pais comessem os filhos.
Na era de Gorbachov, foram abertos os arquivos sobre este período. Os documentos foram expostos em 1992, na Biblioteca do Congresso em Washington, mostrando que a horrenda fome causada entre os camponeses não era ignorada pelas autoridades (...).
É preciso ter estas cenas em mente quando se pega na pena para justificar os regimes injustificáveis. No texto de Aragon, não é apenas a perversão intelectual, manifesta nesse tecido de asneiras, que nos choca hoje em dia. É a participação - involuntária, é certo, mas real - num crime em grande escala. Nesses casos, perdera-se muitas vezes todo o sentido da ética intelectual. É a justo título que essa perda assusta Orwell mais do que as bombas. Os exemplos continuam a ser em grande quantidade, vinte anos mais tarde, com as apologias do maoísmo nas capitais ocidentais.
Delpech, Thérèse. O Regresso da Barbárie. Lisboa: Quidnovi, 2007, pp 73 - 77.
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10/11/12
"(...) o nosso tempo é um desses períodos, como o foram os anos 30 do século passado..."
O imprevisto já não é um conceito exótico, como era ainda há cem anos. Tornou-se o nosso elemento, o sinal distintivo das relações estratégicas da nossa época, com a rapidez dos nossos vectores, a potência de fogo das nossas armas, as novidades das nossas tecnologias, a instantaneidade da informação e as novas formas de terrorismo. A história recente, que é balizada por terríveis explosões, catástrofes naturais e grandes massacres, mostrou até que ponto as surpresas podem ser devastadoras. Esta mistura de violência e instantaneidade, de instabilidade e desordem, afecta tanto as nossas almas como os nossos espíritos. O desfasamento crescente entre o homem e a história comporta, por este motivo, um risco de tipo ontológico: põe em perigo a relação que liga a consciência humana ao tempo. A forte ligação ao passado, a transmissão dos valores, a continuidade das gerações, aquilo que liga os homens entre si, tudo isso está ameaçado pelo imediatismo em que vivemos e pelo caos que nos rodeia. Tanto a impaciência do presente como a desvitalização do passado transformam o tempo num vector de agitação e angústia, tanto mais que as metamorfoses introduzidas pelas revoluções tecnológicas têm um ritmo demasiado rápido para que o espírito humano possa seguir o seu curso. Logo, este é muitas vezes reduzido a um papel de espectador, que não espera nada mais da história - a não ser que perdure.
Mas quando apenas pedimos à história que perdure, não devemos queixar-nos se ela, por vezes nos der respostas brutais. Teremos de procurar também o erro do lado do actor. (...) A surdez da história é também a do homem que só formidáveis explosões conseguem fazer estremecer. O que nos causa horror no ciclo de crueldade gratuita que os ecrãs de televisão apresentam, com a encenação de reféns degolados como animais ou a profanação dos mortos nos cemitérios, é o modo como o terror e a barbárie penetram em todos os lares por meio da imagem, mas é também, que esses rituais exprimem uma espécie de "norma" visualizada da extrema violência que reina no mundo, e perguntamo-nos aonde poderá conduzir. O que acontece sobretudo é que, presentemente, só os grandes crimes conseguem emocionar-nos. O regresso do crime-espectáculo desperta um mal-estar maior precisamente porque não se produz nas praças públicas, como no tempo de Voltaire, mas no conforto dos salões. O desfasamento é insuportável, do mesmo modo que a banalização da violência. Tucídides, que continua a ser a referência mais preciosa de todos quanto reflectem sobre a história, afirma que determinados períodos exprimem uma forma de exacerbação das paixões humanas. Se for o caso, o nosso tempo é um desses períodos, como o foram os anos 30 do século passado, em que a condenação do humanismo e do intelectualismo foi feita, em nome de tudo o que refreava as paixões humanas impondo-lhes normas.
Delpech, Thérèse. O Regresso da Barbárie. Lisboa: Quidnovi, 2007, pp 13 - 15.
Nota - este blogue, nos seus postes, só utiliza fotos que já circulam na net, e foi durante a seleção desta foto que descobri que Thérèse Delpech havia partido em janeiro deste ano, por conseguinte este poste é também uma homenagem à lucidez, rigor e espírito crítico desta pensadora.
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09/11/12
"(...) ele se tornaria um lugar em que viver seria um inferno..."
Pergunta - O senhor foi um pacifista durante a Primeira Guerra Mundial. Não acha que foi incoerente em não ser um pacifista durante a Segunda?
Lord Russell - Não penso isso. Nunca foi meu ponto de vista que todas as guerras fossem justas ou injustas. Nunca. Estava convencido de que só algumas se justificavam e pensei que a Segunda Grande Guerra, ao contrário da Primeira, estava nesse caso.
Pergunta - Porque é que pensa que a Segunda Guerra Mundial tinha justificação?
Lord Russell - Porque achava que Hitler era absolutamente intolerável. Todo o contexto nazi era absolutamente pavoroso, e eu entendia que, se os nazis conquistassem o mundo, o que era evidente ser o seu propósito, ele se tornaria um lugar em que viver seria um inferno, o que é preciso evitar. Temos obrigação disso.
Russell, Bertrand. A Minha Concepção do Mundo. Porto: Brasilia Editora, 1970, pp 40 - 41.
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08/11/12
" (...) devuélveme/ mi soledad. "
IX
Saben tus manos
algo de mí que yo
no sabré nunca.
X
El ruiseñor
no conoce su nombre:
tan sólo canta.
XI
Para gozar
del todo tu hermosura,
cierro los ojos.
Cereijo, José. La Amistad Silenciosa de la Luna. Valencia: Pre-Textos, 2003, pp 15 - 17.
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07/11/12
( Poema 37 do Ciclo " 42 canções entre 2 portas" )
Ó mundo vivo lavra-me o viver,
ilumina-me a boca, carrega as minhas mãos
para atravessar as ondas,
traduz-me o mar nos palcos taciturnos.
Se me deres um só fogo eu saberei usá-lo com maior
sapiência,
encaminhá-lo-ei pela água derrubada
até ao lugar certo, ao cais
entreaberto, suspenso por duras palafitas,
sobre o medo.
Carvalho, Armando Silva. De Amore. Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p 70.
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06/11/12
" Dois em Fúria "
Um deles colhia a tristeza dos dias gordurosos,
do primeiro tabaco,
do vinho oculto,
do robusto bacalhau nas brasas, dos olhos que caíam
como bátegas
na luz demasiado pura dessa carne
fresca dos sentidos.
O outro, mais maduro,
tinha os joelhos duros no seu peito,
tapava-lhe a boca como um dorso, inteiro,
de pedra.
Soturno, abria uma cratera
no curso indeciso dos dez dedos
facínoras.
Não cabiam palavras naquele
anoitecer.
Dois corpos, dois cegos, dois eus ambiciosos.
Tudo neles era um mundo mudo
suspenso do terror da dor
e do prazer.
Carvalho, Armando Silva. De Amore. Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p 12.
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03/11/12
"Mas este poeta desistiu de tudo e quis a moribunda, quando ele chega a casa ela está lá, ao lume, a escrever um livro"
O poeta acredita que, em breve, alguém deixará o seu patrão para o vir acompanhar. A revolução. Parar imediatamente com isso de dar de comer à raposa e às uvas. Perseguir o segredo de irritar jurados e lhes ensinar poesia, é da linhagem das histórias mais animalescas a vontade de aprender a nomear surdinas e bobos, pratos e palmas. O poeta vai meter um espeto nesta eleição. O seu livro de estreia mista harmónio de fusões com limpeza de armazéns. É o camisola amarela que faltava à morte e a todo o grupo do estilo mortássico para sempre, fundo da erva-ursa transposto às motrizes de letra, corroendo poema e relógio, memória e vontade.
Virá salvar-nos, não pelo amor, mas porque nos ensinará a medir espasmos entre palavras. Na verdade, beijar-nos-á. Depois de esperma tremoços. Seremos salvos, não por prémios nem por sacrifício de sapos no terreiro, mas porque o poeta provar-nos-á que as nossas lâmpadas não são redondas e assim nada prevêem. Andaremos salvos pela arte do susto e reembolso, " vamos chegar aí por bombardeamento", esperaremos a Musa do futuro sem nada para trocar.
O cão do pastor despenteia-a todas as tardes. Ela tenta convencer o Mestre a recolher os marcos de um país, um a um e sem cabras. A Musa desejava assim internacionalizar-se na arte performativa da terra. Adora testar novos veículos.
O poeta silenciou o nadador salvador para, a meio do estreito, seguir no motor da bolina do Sereia de Lagos passando para um perfil de santo na esquiva de proa. Filho de uma louca sem dentes, um povo se encostará à sua cabeça. Mas este poeta desistiu de tudo e quis a moribunda, quando ele chega a casa ela está lá, ao lume, a escrever um livro. Ela diz agulha quando olha para o indicador, tem os olhos riscados por um pavão que brinca com binóculos de voyeur para ver o seu próprio suicídio. (...) Nunca mais exigiu uma introdução, era uma suspeita que usava roupas coloridas. Com a força do pensamento trocava poemas em bibliotecas.
Moura, Nuno. Prémio Nacional de Poesia. S/c: MiaSoave, 2012, pp 18 - 19.
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02/11/12
... ... ...
havia futebolistas
entre as estrelas
dispostos a fazer peladinhas
com os fãs por 5 euros cada um
além disso
muitas das estrelas
vendiam por 10 euros
t-shirts que diziam
"Jesus na tua presença
eu danço de alegria"
e por 15 euros
partilhavam com os fãs
segredos e angústias
e por 20
deixavam-se fotografar com eles
e davam autógrafos por 30
e havia ainda um grande evento
um casamento
e o almoço com todos like
era a 100 cada participante
e um beijo a 200 meu
e a 300 sendo gay
e outras cenas preço a combinar
este amor este clamor
deixou um travo amargo
em todos os stewards
e demais agentes da desordem
um insólito braço-de-ferro
entre os fãs e a polícia
a qual mais não pôde fazer
senão desmobilizar
e ir para casa
agastada por não poder tirar
nem fotos nem mais nada
e isto afinal
graças ao fenomenal afã dos fãs
pelas suas eternas e queridas
e nada sinistras estrelas
as mesmas que a comissão ministerial
recomendara ou "convocara"
como dizem os doutores do pensamento
e isso tudo ainda
por causa daquela luz
do primeiro exame
que não era senão a luz
que vinha do quarto da lua
... ... ... ...
Pimenta, Alberto. al Face - book. Porto: 7Nós, 2012, pp 68 - 69.
.
01/11/12
... ... ...
a prova dessa vez incluía
três versos dum poema
atribuído a Álvaro de Campos
"... no alto céu ainda claramente azul/
Já crescente nítido, ou círculo branco,
ou mera luz nova que vem,/
A lua começa a ser real."
e perguntava
a que momento do dia
e a que luas
se referia o texto
Álvaro de Campos
o nome soava a qualquer coisa
e deu bastante que falar nos escritórios
e nas salas de jantar
o namorado duma aluna
um daqueles rapazes
a quem se vislumbra futuro
e até já tinha colaborado
numa revista
afirmou que se tratava dum poeta
que não era dos mais falados
que estava ainda noutra onda
que não tinha nada que ver
com as mais recentes linhas poéticas
que se passavam todas
nas imediações da casa
bar rua transportes engates
actos quotidianos
que não se davam a fitas
de olhar para a lua
pois sabendo procurar
poesia há em todo o lado
até ou mais ainda no caixote do lixo
problema é a falta de vocações
e riu-se
depois explicou ao amigo
que foi numa jogada dessas
que conheceu a namorada
Pimenta, Alberto. al Face - book. Porto: 7Nós, 2012, pp 9 - 10.
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