06/11/12



  " Dois em Fúria "


Um deles colhia a tristeza dos dias gordurosos,
do primeiro tabaco,
do vinho oculto,
do robusto bacalhau nas brasas, dos olhos que caíam
como bátegas
na luz demasiado pura dessa carne
fresca dos sentidos.

O outro, mais maduro,
tinha os joelhos duros no seu peito,
tapava-lhe a boca como um dorso, inteiro,
de pedra.
Soturno, abria uma cratera
no curso indeciso dos dez dedos
facínoras.

Não cabiam palavras naquele
anoitecer.
Dois corpos, dois cegos, dois eus ambiciosos.
Tudo neles era um mundo mudo
suspenso do terror da dor
e do prazer.

  Carvalho, Armando Silva. De Amore. Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p 12.
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