22/03/13



   UMA JOVEM SENTADA NO MEU DEGRAU

                                                 para Marta López Vilar


De negro como outrora as atenienses
junto às muralhas do Pireu. De negro
os escombros de Palmira, os sagrados
cadáveres de Tebas, os tiranos assumidos
tão iguais a estes com seus velhos desdentados,
suas imolações pelo fogo, suas mulheres
atirando-se pelas janelas, quais Medeias
já sem filhos nem vontade de vingança.


De negro a magia persistente de Ritsos,
de Kavafys, de Seferis, tão avessos
ao quotidiano esquartejado que propagais.
E de negro tu também: sentada
no meu degrau, com o vestido
a barrar-me a entrada ( coisa de presságios
tão confusos para mim àquela hora!),
com o teu sorriso luminoso; um olhar


a adensar-me a culpa. Um sorriso
sereno e eu a não te poder mudar
a vida. De negro o ficarmos ali _
um frente ao outro... Era um negro
tão negro, que nele se ouvia já o estrépito
do branco a despontar: nos gritos,
nas palavras recuperadas que um dia
- inevitavelmente -  hão-de voltar.

  Mateus, Victor Oliveira. Cintilações da Sombra, Antologia poética. Fafe: Editora Labirinto, 2013, p 69 ( Coordenação de Victor Oliveira Mateus).
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