13/11/13
(...)
confinando-se em cubos sobre cubos,
periferias cinza onde se reproduzem,
dormem e só às vezes falam.
Derretem-se de sono em lama orgânica,
olhares de cristal brilham de súbito,
apanha-os a enxurrada
à entrada do metro,
à saída do ferry,
no tráfego contínuo da avenida,
autocarros e táxis, mas não as
negras berlinas rápidas que fogem
dos novos proletários de olhar cúpido,
brilhante, nuns,
em outros conferindo
o desgaste de sonhos paranormais,
sobrolho negro que encara
rostos sem culpa,
aturdidos pelo alto muro
que ninguém saltará,
prisão de segurança máxima,
e ainda assim alguém exclama
diante do parlamento: "Olhem".
Exibe uma Kalashnikov,
triunfo oculto de África.
Apoia o queixo na boca do cano
e uma rajada leva-lhe
metade da cabeça
e o sangue de uma vida.
Junta-se cada vez mais gente,
um megafone incita-a,
a multidão ulula,
e depressa a polícia chega,
bate a esmo, destroça-a
e recolhe o cartaz em que se lê:
Não quero ser um cão selvagem
a comer das lixeiras.
Foi notícia um só dia nos jornais,
não sei se na TV a censuraram,
os vivos esqueceram-na
e não se falou mais de imolação
(...)
enquanto a piza e o hambúrger
atraem a passeios no shopping,
avenidas de luz e cor, a brisa
do ar condicionado com cheiro a maresia,
usufruto, riqueza estúpida,
o chamariz das montras proibidas,
assim este país antigo
igual a todos,
porém confuso e exausto.
Não sei de onde esta gente herdou
tamanha sujeição.
Dempster, Nuno. Uma paisagem na web. Lisboa: &etc, 2013, pp 27 - 30.
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