" LXXVII. recuperação "
Nesse rio,
quedou perplexa: tinham chegado mais algumas palavras. O bico do pássaro não pára de bater.
Ouviu então a voz terrível, sustentada pela nova melodia tocada pelas folhas:
"mas a própria unidade do amor a que afectivamente aspiras não te ama porque se fragmenta." Pausa. "O que respondes ao que tu lhe pediste, e ele não deu?!"
A pergunta foi tão certeira que a mulher sentiu-se cair, e ficou numa espécie de delírio. O urso escondeu o piano, lançando-se a comer toda a folhagem da cúpula. Decidira brincar com problemas sentimentais.
- Mas é preciso escutar a parte séria da minha brincadeira - disse a Parasceve.
Eu tinha anotado, na minha agenda, um encontro no sábado com um urso-de-colar que muito estimava, e que fora adiado para a próxima quinta-feira. Esqueci-me de recomendar-lhe que, entretanto, me mandasse uma mensagem para o exercício do som e das palavras. Postal que não vai certamente lembrar-se de mandar-me.
- Eu sei que as regras do amor têm ritmo - imaginei que respondia Parasceve. - E não são cenas infantis - retorquiu-lhe, limpando com a língua uma lágrima que lhe deslizava pela face: - Seria um deserto se ninguém conhecesse esse ritmo.
Sim, seria. Mas o amor é fraco, e logo vacila.
Llansol, Maria Gabriela. Amigo e Amiga, curso de silêncio de 2004. Lisboa: Assírio & Alvim, 2006, p 105.
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