05/01/14

 
 
   Os rapazes nadavam para a praia. Quando chegaram às ondas baixas pararam e entreolharam-se. Começaram a lutar um com o outro.(...) não havia nada de infantil naquela luta. Estavam de pé, com a água pela cintura, as ondas a avançarem, a fustigarem-nos com espuma e a recuarem, e depois Ian desaparecera e Tom empurrava-o para baixo. Veio uma onda, depois outra, e Lil levantou-se, angustiada, e exclamou:
   - Oh, meu Deus, ele vai matar o Ian. O Tom vai matar...
(...) - Cala-te, Lil - disse Roz. - Não nos devemos intrometer.
(...) Tom soltou um grande grito e largou Ian, que veio à tona. Quase não conseguia manter-se de pé, caiu, voltou a levantar-se e ficou a observar Tom que avançava por entre as ondas da praia. Quando Tom pisou a areia escorria-lhe sangue da barriga da perna. Ian mordera-o, bem fundo debaixo das ondas. Era uma dentada com mau aspecto. De pé dentro de água, Ian cambaleava, sufocado e ofegante.
   Roz lutou consigo mesma e depois correu para as ondas e ajudou-o a sair do mar (...).
   As mulheres fitavam aqueles dois jovens heróis, seus filhos, seus amantes, aqueles belos jovens cujos corpos reluziam de água e óleo protector solar, quais lutadores de um tempo mais antigo.
   - Que vamos nós fazer, Roz? - sussurrou Lil.
   - Eu sei o que vou fazer - respondeu a amiga, levantando-se- - Almoço! - Gritou, exactamente como fazia há anos, e os rapazes levantaram-se obedientemente e seguiram-nas para casa de Roz.
   Acrescentou, dirigindo-se ao filho:
   - Acho melhor desinfectares isso.
(...) Lil disse a Roz que se sentia tão feliz que até tinha medo. "Como é possível alguma coisa ser tão maravilhosa?", perguntava baixinho, com medo de que alguém a ouvisse - mas quem? Não havia ninguém nas proximidades. O que ela queria dizer, e Roz sabia-o, era que uma felicidade tão intensa devia ter o seu preço, o seu castigo. Roz falava alto e em tom de brincadeira, dizia ser aquele um amor que não ousava dizer o seu nome, e cantarolava:
   - Amo-te, sim, amo-te, é pecado mentir...
   - Oh, Roz... às vezes tenho tanto medo.
   - Que disparate! Não te preocupes. Não tarda, eles cansam-se das mulheres velhas e vão atrás de raparigas da sua idade.
 
 
 
    Lessing, Doris. " As Avós " in As avós e outras histórias. Barcarena: Editorial Presença, 2008, pp 33 - 36.
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Nota - Foto do filme "Two mothers" baseado no conto "The grandmothers" de Doris Lessing.
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