30/12/09

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É verdade que Luchino Visconti não foi o primeiro nem o único a romper com a tradição psicológica herdada da literatura romanesca do século XIX, e que a influência de Jean Renoir foi por certo essencial; mas foi um dos poucos a atingir um tal domínio na elaboração da densidade humana que caracteriza os seus heróis. Já em 1942 essa concepção inspira Ossessione, que, mais do que uma adaptação do romance de James Cain, é uma verdadeira recriação onde apenas a intriga foi conservada. Porque não é a intriga, "as coisas por si", o que interessa a Visconti, mas sim "os homens vivos". No caso, aquela mulher, Giovanna (Clara Calamai), que se parece estranhamente com a Livia Serpieri de Sentimento (Allida Valli), com o Gianni, de Vaghe stelle dell'orsa (Jean Sorel), com Ludwig... mas também com Peppa, a heroína de Verga, A Amante de Gramigna que Visconti se propunha adaptar e que a censura fascista recusou. Essa mulher, Giovanna ou Peppa, esses heróis cuja existência é totalmente determinada pela situação vão afincar-se em conquistar a sua existência "entre as coisas" e sobretudo contra elas. A liberdade humana contra a ordem social. Esse o tema de Ossessione, esse o fio conductor que unifica toda a obra de Luchino Visconti. Essa, também, a originalidade da sua atitude, ao recusar separar o romanesco, "os homens", do seu ambiente circundante, "as coisas". Foi pelo enraizamento no contexto social, económico e histórico, pelo modo como este ilumina a personalidade dos heróis, que Visconti pôde romper com o psicologismo tradicional. Os seus heróis não são desprovidos de psicologia, muito pelo contrário, mas a psicologia já não é a única dimensão a "explicar" a personagem e deixou de ser intemporal e abstracta.
É pelo enraizamento no contexto que Visconti ultrapassa a aventura individual, a anedota singular, e atinge uma espécie de universal. O adultério de Ossessione é secundário. O mais importante é a revolta de uma mulher contra uma clausura de que nesse momento ganha consciência. É o encontro, difícil, doloroso mas exemplar, de dois seres libertos que se inventam e se descobrem um pelo outro, Giovanna e Gino são já Gianni e Sandra, o professor Konrad de Violência e Paixão...
A invenção da palavra "neo-realismo" a propósito de Ossessione talvez tenha abafado a verdadeira novidade do filme, que provavelmente reside mais neste pôr em situação das liberdades humanas do que na sua estética neo-realista. Nesta qualidade, poder-se-ia caracterizar a obra de Luchino Visconti como "um cinema de situação", evocando "liberdades que se escolhem em situações" (J.P. Sartre).
" O homem colhido por um momento da história"
O contexto histórico participa da mesma vontade de enraizamento que acabamos de lembrar, e Visconti deu provas da mesma preocupação de exactidão, alimentando com inúmeras anedotas e dilatando, com as reconstituições, os custos de produção, para grande prejuízo dos financiadores. Mas nele, a história não é simples pano de fundo estético ou pretexto dramático: permite situar o herói no momento da escolha, uma escolha que, num contexto adequado, será sempre individual e colectiva, pessoal e política. Colocando os seus heróis em períodos de crise em que uma ordem morre ao dar à luz, na dor, a ordem que lhe sucede, Visconti procura provocar uma certa catarse nas personagens e captar o momento em que as relações atingem o seu ponto máximo de exacerbação. As personagens dos seus filmes acabam por se encontrar frente a frente com elas próprias. A protecção que poderia vir do amor ou da família acaba por lhes faltar, os privilégios do poder ou do dinheiro não chegam para as proteger. Estão sós.
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Alain Sanzio e Paul-Louis Thirard In "Luchino Visconti", Publicações Dom Quixote,
Lisboa, 1988, pp 44 - 45.
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28/12/09

"Tudo isso farei eterno,/ se me confias teu corpo sem ruído,"

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"Poema 16"

O cão que juntos vimos numa esquina.
O peixe que agonizava à nossa frente.
A onda na direção de nossas filhas,
a quem pedimos não quebrasse sobre elas.

O cacto que te comprei na feira
e que te faz sorrir
quando o entrego
ainda hoje nos meus pensamentos.

Tudo isso farei eterno,
se me confias teu corpo sem ruído,
se sufocas teu grito para que não nos ouçam
as crianças no quarto contíguo,
para que não descubra o tempo
o cão, a onda, o cacto,
o teu corpo jugulado e inconsentido.

Cláudio Neves In "Os Acasos Persistentes", Editora 7Letras, Rio de Janeiro,
2009, p 55.
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27/12/09

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Não haverá oficina para as minhas noites.
Vejo-as deitar fumo
como o alcatrão ainda quente
dos meus olhos fundamentalmente
sem trânsito,
ouço-as trémulas ao embaterem
nos ombros da sentinela de gesso
que me guarda o sono.
Não haverá mecânica para estes metais
soldados a frio, armados
sobre a estação
sinistra
onde os anjos fazem transbordo
e seguem, sentados, para o forno
da vida eterna.

Mas eu tenho uma têmpora ferida
pela pata marcial de um leopardo
e sangro o meu instinto
na concepção de uma biologia
mais vulnerável
e perigosa,
e uso a noite para este fim
e para este apenas
- e é de lava e sombra
a substância profana
em que tão avariadamente
trabalho.

Não haverá uma oficina
e os seus elevadores, não haverá
um martelo - não me corrijam,
esta vida vai em sobre-aquecimento
dos seus interiores,
perplexa, marginal,
honesta.

E se a virem parar no meio de uma estrada,
inflamada e contorcida,
é porque aí
encontrou
o mais justo câmbio
de vento
para as suas noites.

Não a reboquem, ponham-lhe flores,
e sigam, sentados, para o forno
da vida que vos coube.

Vasco Gato In "Omertà", Quasi Edições, Vila Nova de Famalicão,
2007, pp 65 - 66.
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26/12/09

"não acrediteis em quem mal vos diga. "

O POEMA QUE SE SEGUE INCLUI PALAVRÕES!!!
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A Poesia obscena que se tem escrito na Península, e concretamente em Portugal, é um filão que o preconceito força a não referir. De Afonso X a Bocage, de Martin Soárez a Junqueiro esta poesia tinha funções sociais bem definidas, que não passavam, obviamente, por quaisquer formas terapêuticas, aliás, isso pode ser visto nos quatro poetas referidos, que, exímios cultores da poesia obscena, nunca descuraram outros tipos de lírica, quer virada para o mundo interior quer para entidades de tipo metafísico, das quais são grandes referências. O Afonso X que escreve as célebres Cantigas de Santa Maria é o mesmo que diz: se molher acha que o demo ten,/assi a fode per arte e per sen... este tipo de exemplo é válido para Bocage e para Junqueiro, que tanto escreve A porra do Soriano como Os Simples. Esta poesia é, por conseguinte, um manancial para as análises de costumes, histórica, linguística, social, etc. Este blogue tem já um poema de Joan Garcia de Guilhade, e avança agora para outro trovador. Em breve, e como exemplo contemporâneo deste tipo de poesia, postaremos outros poetas.
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Martim Soárez viveu no século XIII e foi contemporâneo de D. Dinis. Nasceu no Minho e acabou por vir viver na zona de Santarém. As suas cantigas de amor, as de escárnio e as de maldizer atingiram grande qualidade poética.
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Pero Rodrigues, da vossa mulher
não acrediteis em quem mal vos diga,
Já percebi que ela muito vos quer
e quem não o disser fará intriga.
Dir-vos-ei como foi que o compreendi:
no outro dia, quando a f_di,
mostrou-se-me ela muito vossa amiga.
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Pois vos deu Deus boa mulher, leal,
não receeis nenhuma picardia
de ninguém que dela vos disser mal.
Eu mesmo lhe ouvi jurar, noutro dia,
que vos queria mais do que a ninguém
e, para verdes como ela vos quer bem,
nem de mim fez excepção, que a f_dia.
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Martin Soárez In "Cantigas obscenas, de escárnio e maldizer" de
Orlando Neves, Notícias Editorial, Lisboa, 2004, p 79.
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24/12/09

"Exaltado momento e para quê?/Deixa fluir a calma no teu rosto/e não queiras negar a lucidez." (p. 79)

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O silêncio da Voz não é total:
um sussurro se esgueira
até ao meu ouvido.
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El silencio de la Voz no es total:
un susurro se desvia
hasta mi oído.
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(Segue-se a versão japonesa)
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António Salvado e Kousei Takenaka In "Otoño/ Outono/ ???" ( Edição trilingue, Traducción de A.P. Alencart y An Oshiro), Editorial Verbum/ Madrid e Trilce Ediciones/ Salamanca, 2009, p 69.
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São corpos desgastados
que não deixam fugir
bem para longe as almas
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Son cuerpos consumidos
que a las almas
no dejan huir bien lejos.
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(segue-se a versão japonesa)
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António Salvado - Kousei Takenaka In "Otoño/Outono/ ?? " (obra trilingue, Traducción de A.P. Alencart y An Oshiro ), Editorial Verbum/ Madrid e Trilce Ediciones/Salamanca, 2009, p 45.
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22/12/09

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Entrei em barcos que eram fotografias.
Corrigi palavras que eram bocas na
sua latitude de espera e fome. Intrujei
a morte com o meu sorriso de animal
assustado. E de propósito, sim, as em-
balagens rasgadas de onde saíram os
gritos fundamentais - arredar cadei-
ras para ver entrar os próprios olhos
- de propósito, tão de propósito que
poucos entenderam que é essa a natu-
reza final dos poemas,

proclamar-se pobre,

escorrer apenas lava da boca sensível,
ligeiramente desmaiado pelo balanço
da noite, existir na rebentação como
estrela de cinco pontas, como a cidade
inadiável, como o verde de uma mão.

Vasco Gato In " Omertà", Quasi Edições,
Vila Nova de Famalicão, 2007, p 61.
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21/12/09

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"Uma qualquer pessoa"

Precisava de dar qualquer coisa a uma qualquer pessoa.
Uma qualquer pessoa que a recebesse
num jeito de tão sonâmbulo gosto
como se um grão de luz lhe percorresse
com um dedo tímido o oval do rosto.

Uma qualquer pessoa de quem me aproximasse
e em silêncio dissesse: é para si.
E uma qualquer pessoa, como um luar, nascesse,
e sem sorrir, sorrisse,
e sem tremer, tremesse,
tudo num jeito de tão sonâmbulo gosto
como se um grão de luz lhe percorresse
com um dedo tímido o oval do rosto.
Na minha mão estendida dar-lhe-ia
o gesto de a estender,
e uma qualquer pessoa entenderia
sem precisar de entender.

Se eu fosse o cego
que acena com a mão à beira do passeio,
esperaria em sossego,
sem receio.
Se eu fosse a pobre criatura
que estende a mão na rua à caridade,
aguardaria, sem amargura,
que por ali passasse a bondade.
Se eu fosse o operário
que não ganha o bastante para viver,
lutava pelo aumento do salário
e havia de vencer.
Mas eu não sou o cego,
nem o pobre,
nem o operário a quem não chega a féria.
Eu sou doutra miséria.
A minha fome não é de pão, nem de água a minha sede.
A minha mão estendida e tímida, não pede.
Dá.
Esta é a maior miséria que em todo o mundo há.
E eu que precisava tanto, tanto, de dar qualquer coisa a uma qualquer pessoa!

E se ela agora viesse?
Se ela aparecesse aqui, agora, de repente,
se brotasse do chão, do tecto, das paredes,
se aparecesse aqui mesmo, olhando-me de frente,
toda lantejoulada de esperanças
como fazem as fadas nos contos das crianças?

Ai, se ela agora viesse!
Se ela agora viesse, bebê-la-ia de um trago,
sorvê-la-ia num hausto,
sequiosamente,
tumultuosamente,
numa secura aflita,
numa avidez sedenta,
sofregamente,
como o ar se precipita
quando um espaço vazio se lhe apresenta.

António Gedeão In "Poesias Completas (1956-1967), Portugália Editora,
Lisboa, 1972, 4ª Edição, pp 189 - 191 (Prefácio de Jorge de Sena).
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17/12/09

Acerca desta época.

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" A Estrela "


Há no céu uma estrela
De estranho clarão:
A gente só pode vê-la
Usando o coração.

Tem uma luz tranquila
Inundando a noite fria;
Para segui-la
Não é preciso bússola nem guia;

Nenhum saber obscuro
Ou lente de longo alcance, nada.

Um coração puro
Consegue vê-la à vista desarmada...

Cláudio Lima (Natal/2009), poema inédito.
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14/12/09

Julia Roberts e Andy Garcia dizem o soneto LXXXI de Pablo Neruda

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"Soneto LXXXI "

Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite sobre suas invisíveis rodas
e junto a mim és pura como o âmbar dormido.

Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma viajará pela sombra comigo,
só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.

Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixaram cair suaves sinais sem rumo
teus olhos se fecharam como duas asas cinzas,

enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,
e já não sou sem ti senão apenas teu sonho.

Pablo Neruda (traduzido por Carlos Nejar)
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13/12/09

"Detesto coberturas de açúcar mesmo que levem limão"

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" 3 AM "

Mãe
Não consigo adormecer
Já experimentei tudo. Até contar carneirinhos
Não consigo adormecer
Nem chorar
(Que maior tragédia poderá acontecer a um homem do que a de já não ser capaz de chorar?)

Mãe
Sabias que o cordão umbilical pode funcionar como uma corda num enforcamento?
- Tenho aprendido coisas bem singulares neste convívio com os deuses -
Um dia destes regressarei a Tebas para ser coroado
Reservei hoje mesmo um lugar num avião das Linhas Aéreas Gregas
Gostaria de brindar contigo com uma taça de orvalho
antes de partir

Mãe
Detesto coberturas de açúcar mesmo que levem limão
Isto é tão certo como o é tu não me compreenderes
Estava a sonhar que estava a sonhar e assim por aí adiante até ao infinito. Depois acordei. E fui descendo vertiginosamente de sonho para sonho
Ainda não parei de acordar. E de sonhar

Mãe
Tenho uma surpresa para ti
um caramanchão para que te possas sentar todas as tardes a catar estrelas
na minha cabeça

Mãe
Abriu um concurso para preencher uma vaga de ascensorista no Paraíso e eu concorri
Achas que tenho alguma hipótese de ser admitido?
- tenho a boca cheia de formigas -

Mãe
um dia hei-de subir contigo
degrau
a degrau
o arco-íris

Jorge Sousa Braga In "O Poeta Nu - poesia reunida ", Assírio & Alvim,
Lisboa, 2007, pp - 57 - 58.
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12/12/09

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"Disposições ( em sílaba qualquer)"

Faço rimar o sol quando quiser,
e desenho bigodes nesta fotografia de jornal,
decoro-a de cabelo
e um ar adolescente

Quando eu quiser,
o ar encher-se-á de gente imaginada
dançando para mim,
e a fotografia há-de saltar
a meio de um arabesco
ou de uma rima

Assim: gesto de Salomé,
os véus tombados,
a cabela inclinada em direcção ao rei,
que rimará com lei (a que desobedeço),
ou com as regras todas
que eu quiser

Sem lei os criarei,
motores obedientes do meu espaço

E a fotografia há-de sorrir,
o rei dirá "eu faço, porque faço",
e Salomé há-de dizer
"eu danço, em troca de"

Gostava, já agora, de te
fazer rimar aqui, quando quisesse,
agora, por exemplo,
ou numa hora. Ou já

Como não posso, rimo o sol
com tudo - a ti, sei lá
com quê -

Ana Luísa Amaral In "Se fosse um intervalo", Publicações D. Quixote, Lisboa,
2009, pp 69 - 70.
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11/12/09

Versos para derrubar muros.

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APRESENTAÇÃO DO LIVRO "VERSOS PARA DERRIBAR MUROS. ANTOLOGIA POÉTICA
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POR PALESTINA" NO DIA 13 DE DEZEMBRO, PELAS 11HOO, EM SEVILHA, NA II FEIRA
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DO LIVRO DE ALJARAFE.
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NESTA ANTOLOGIA PARTICIPAM OS POETAS PORTUGUESES (POR ORDEM ALFABÉTI-
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CA): CASIMIRO DE BRITO, MARIA DO SAMEIRO BARROSO, RUI COSTA e
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VICTOR OLIVEIRA MATEUS e O POETA BRASILEIRO FLORIANO MARTINS.
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10/12/09

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...o poema "Por todo o lado me cercas" de Victor Oliveira Mateus (incluído na Antologia "Cerejas - poemas de amor de autores portugueses contemporâneos", Editorial Tágide, Dafundo, 2004, p 64 ).
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Por todas partes me rodeas
Con tus ramas de límpida filigrana inundas el dia, los bosques, las colinas persistentes
donde el destino es una luz difusa, como árbol roto en colores, en el rumor
inconsolable de le tierra

Por todas partes te anuncias
con tus oblícuos designios verdes con precisión desvelas la vaga nitidez del horizonte,
donde los símbolos se mezclan, en la vastedad impenetrable del silencio:
la mesa de la ofrendas para el Alto inclinada
la copa repleta de cerezas
una mano inerte en el umbral
Por todas partes me rodeas, oh fabulosa imagen
y en tu fervor de naturaleza muerta
a mi cuerpo muerto la vida prometes.

Marta López Vilar
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09/12/09

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"As raízes do voo"

São as cores?
Ou declarar-me assim a esta árvore?
Num sobressalto, desassossego
lento - as colmeias de ramos e de folhas,
o corpo em curvas densas,
as raízes,
e, delicadamente, o coração

Apaixonar-me e outra vez,
agora por um tempo de nervura
acesa, o fogo - e sem palavra que chegasse
para habitar o mundo:
são as cores, dir-lhe-ia,
ou os meus olhos?

E se faltar olhar, ouvido, cheiro, mãos,
ver-te sem ver, sentir-te sem sentir:
neste musgo e por dentro
poder perder-me, fingir-me distraída
pelo puro prazer de me fingir,
sem sossego nenhum
- aprender a voar -
pelo desassossego de um dedo
preso à terra

Mas se as asas faltarem,
serão sempre as cores,
uma leve impressão de nervos, digital,
de qualquer coisa

Há-de ser isto assim:
luz para além de azul,
paz muito além do verde a respirar
- ou eu, igual ao sol,
comovendo-me em ar e
por raízes -

Ana Luísa Amaral In "Se fosse um intervalo", Publicações D. Quixote,
Lisboa, 2009, 41 - 42.
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07/12/09

A escrita e a música de Richard Wagner

Transfiguração e morte de Isolda após a morte de Tristan. Por Waltraud Meier no Scalla
(Milão) em 2007.
(Não existem em português - variante de Portugal -, neste momento, e em edição recente, os escritos filosóficos nem os longos poemas de R. Wagner...)
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Mild und leise
wie er lachelt,
wie das Auge
hold er offnet, -
seht ihr's, Freunde?
Saht ihr's nicht?
Immer lichter
wie er leuchtet,
Stern-umstrahlet
hoch sich hebt?
Seht ihr's nicht?
Wie das Herz ihm
mutig schwillt,
voll und hehr
im Busen ihm quillt?
Wie den Lippen,
wonnig mild,
susser Atem
sanft entweht: -
Freunde! Seht!
Fuhlt und seht ihr's nicht?
hore ich nur
diese Weise,
die so wunder -
voll und leise,
Wonne klagend,
alles sagend,
mild versohnend
aus ihm tonend,
in mich dringet,
auf sich schwinget,
hold erhallend
um mich klinget?
Heller schallend,
mich umwallend,
sind es Wellen
sanfter Lufte?
Sind es Wogen
wonniger Dufte?
Wie sie schwellen,
mich umrauschen,
soll ich atmen,
soll ich lauschen?
Soll ich schlurfen,
untertauchen?
Suss in Duften
mich verhauchen?
In dem wogenden Schwall,
in dem tonenden Schall,
in des Welt-Atems
wehendem All -
ertrinken,
versinken -
unbewusst -
hochste Lust!

Richard Wagner In "Tristan und Isolde" (en bilingue), Aubier Flammarion,
Paris, 1974, pp 238 - 240.
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06/12/09

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Coordenador d'O Livro Negro da Feira do Livro de Lisboa (Jornal, 1985), sobre a abstrusa proibição de venda de revistas no recinto da Feira do Livro, dos álbuns (Re)Descobrir Stuart e A Vida das Imagens (Diário de Notícias, 1989 e 1994) e Grandes Repórteres Portugueses da I República, Pedro Foyos, polivalente no campo do jornalismo, tem-se dedicado muito intensamente à fotografia, dirigindo diversas revistas da especialidade.
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1. Contextualização
No romance, publicou um muito bem fundamentado romance histórico, de qualidade superior, O Criador de Letras (Hespéria, 2009), sobre a vida quotidiana no Próximo Oriente e a invenção do alfabeto, e, na rentrée escolar deste ano, um romance marcante na literatura juvenil portuguesa, Botânica das Lágrimas, livro de leitura aconselhada a professores e, sobretudo, alunos do ensino básico (3º ciclo) e secundário.
Integrado na corrente literária designada internacionalmente por young adult fiction, o romance de Pedro Foyos prossegue a linha pioneiramente desbravada, após o 25 de Abril de 1974, por Alice Vieira, Ilse Losa, Luísa Dacosta, Maria Alberta Menéres, António Torrado, Luísa Ducla Soares, José Jorge Letria, João Aguiar, António Mota, Ana Saldanha, Álvaro Magalhães, Maria do Rosário Pedreira e Maria Teresa Maya Gonzalez, Conceição Coelho, Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães (e muitos, muitos outros) de actualização do romance juvenil em Portugal, que, indubitavelmente, pelo serviço público de leitura e pelo número de vendas, tem atravessado uma autêntica fase de ouro.
Face à literatura juvenil clássica (Swift, H.C. Anderson, Stevenson, Júlio Verne, E. Salgari, M. Twain, Enid Blyron, Ana de Castro Osório, Ricardo Alberty, Simões Mueller...), o conteúdo das histórias pertinentes à nova literatura juvenil portuguesa tem operado três substituições:
a) abandonou a componente moralista e/ou religiosa enformadora de muitos textos clássicos, não raro expressão de preconceitos sociais coevos, fortemente aculturadores da mente das crianças, substituindo-a por uma visão ecolágica, socialmente relativista e etnicamente multicultural das relações sociais, deixando entrar nos textos o novo Portugal democrático e europeu, tolerante e lusófono;
b) abandonou o tema da evidenciação ostensiva dos aleijões sociais ( o órfão, a criança enjeitada, analfabeta e miserável; os bairros de barracas...), substituindo-o pela vida diária de uma criança pequeno-burguesa dos subúrbios ou de classe média urbana (o público leitor privilegiado), tecnologicamente activa, cientificamente informada e individualmente carregada de iniciativa;
c) substitui as antigas histórias mitológicas célticas e greco-romanas, dotadas de um estendal de seres mágicos (sereias, silvos, nereidas, grifos, unicórnios, fadas, gigantes denignos, anões malignos, bruxas velhas de narigueta e verruga...), por um universo fantástico novo fundado na ciência e na tecnologia, unindo estas aos antigos processos mentais míticos e mágicos, como a saga de Harry Potter o prova abundantemente. Uma característica, no entanto, permanece idêntica entre a literatura juvenil clássica e a actual - no fim da aventura, o herói e o leitor são invariavelmente recompensados pelo regresso (mais ou menos triunfante) à ordem benigna interrompida pela irrupção do mal.
Em síntese, a literatura juvenil, clássica ou actual, alimenta-se de duas categorias - o realismo e o fantástico -, de cuja combinação nascem tanto a sua atractiva beleza quanto os seus limites. Neste sentido, literariamente falando, o século XX pode ser considerado o tempo de irrupção e independência da literatura juvenil portuguesa, para o qual muito contribuiu, sem dúvida, num outro registo, O Romance da Raposa (1929), de Aquilino Ribeiro, e as As Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo (1963), de José Gomes Ferreira, livros absolutamente admiráveis..
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2.Botânica das Lágrimas
Botânica das Lágrimas não só obedece às quatro características acima indicadas, como, de certo modo, as resume, evidenciando-se, assim, como um belíssimo romance juvenil de aventura, fundado em dois pólos, o realismo e o fantástico, de obrigatória leitura, repetimos, pelos professores de ensino básico e secundário. Debruçado sobre um tema de grande actualidade nas escolas - o bullying ("tirania juvenil de forma continuada em ambientes escolar", p.374), Botânica das Lágrimas captou em perfeição o ambiente escolar próprio da prática do bullying (a extorsão de dinheoro aos mais novos, a destruição de bens pessoais, o "corredor da morte"...), a personalidade frágil mas ostensiva da prática de Rufino Cromado, de cérebro sobredotado, mas psicologicamente abjecto, de Simão-mão-de-betão, de Jeco Marado, a personalidade igualmente frágil mas corajosa dos "capitães" dos "Guerreiros Valentes", alunos mais novos que se sentem violentados e humilhados por esta prática, revoltando-se contra ela, nomeadamente Leopoldo, o "General Leo", e o seu ajudante "Bravo Toninho".
Do mesmo modo, o autor opera uma harmoniosa ligação ao exterior da escola, seja através da evidenciação de um leque de sentimentos próprio da puberdade (orgulho, revolta, vaidade, companheirismo, amor próprio, atracção sexual...), seja através da relação terna e angustiada entre Leopoldo e a sua mãe, hospitalizada (vergonha de chorar, necessidade forçada de se tornar adulto). Porém, a chave de ouro de Botânica das Lágrimas reside, indibitavlemente, por um lado, na opção pelo Jardim Botânico, em Lisboa, como cenário maior do romance (a visita de estudo "Passeio Plantástico"), e na utilização majestosa da figura do professor Brotero como guia (homenagem ao botânico Félix Avelar Brotero, mas também ao professor Fernando Catarino, aliás, citado no romance, como Rómulo de Carvalho/ António Gedeão e Viiriato Soromenho Marques), e, por outro, pela introdução do fantástico através do encontro de Leopoldo com Camões e do diálogo daquele com as árvores, diálogo diversificado consoante a natureza (isto é, a personalidade) de cada árvore. Esta é, de facto, a ideia chave do livro, que terá forçado o autor a uma demorada investigação científica, ilustrada pelos úteis anexos do romance. O mais forte momento dramático do romance reside, assim, na ajuda que o reino vegetal do Jardim Botânico presta aos "Guerreiros Valentes# no combate contra o bando do Ruffino Cromado e a prática do bullying, repetindo, em 2009, o episódio republicano da "Grande Coça de 1914".
Uma forte chamada de atenção para a atractiva combinação de aparatos estéticos: (1) a mancha gráfica do romance, dotada de um apurado jogo de letras e de separadores, (2) a divisão dos capítulos por minutos (entre as 9h,15 e o meio-dia), (3) o entreacto "trágico" ligado á história da implantação da República e (4) a intercalação no texto de quadros que se, por um lado, vão sintetizando a história das peripécias do General Leo, anunciam, por outro, "nós" bloqueadores da intriga, que o sesenrolar da história posteriormente desbloqueará.
Belíssimo romance para ser incluído no "contrato de leitura" do programa da disciplia de Português e partilhado em sala de aula entre professores e alunos.
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"Miguel Real In "JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias", Ano XXIX/Nº 1022, de 2 a 15 de Dezembro de 2009, pp 22 - 23 .
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05/12/09

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Inventaram armas de sílex, pontiagudas,
para as desguarnecidas têmporas. Inventaram
os inquisitoriais fogos, as rodas supliciantes,
a guilhotina. Inventaram igualmente métodos
higienizados: injecções letais, assépticas
e completamente indolores. Desenharam,
com o mais nítido rigor, fronteiras indeléveis,

para que o bárbaro seja sempre o outro
e nunca uma qualquer, e inapreensível, parte
de si. Levaram a cabo Auschwitz, Hiroshima,
Srebrenica. Perseguiram em função do sexo,
da cor, da etnia, da orientação sexual, das crenças
religiosas e políticas. Legislaram em torno
da desregulamentação económica, enquanto olhavam

de soslaio a fome, as doenças incuráveis,
a putrefacção do ar. Construíram paradigmas
valorativos para enaltecimento dos hospícios,
dos melancólicos, dos suicidários, enquanto
se reproduziam e ritualizavam os seus quotidianos,
porque nestas coisas - e pelo sim pelo não -
quanto mais tarde melhor. Paradigmas esses
com Verdi a bater à porta, e Fellini, e Updike,

e centenas de outros, cuja genialidade,
não necessariamente mecanicista, provinha
de outras variáveis. Viveram até a amizade,
o amor e a cumplicidade a par da denegação
do outro. E, no final, apenas uma dúvida
me resta, minúscula, quase insignificante:
como conseguiram eles meter tanta e tanta
evolução num planeta tão pequeno?

Victor Oliveira Mateus in "Revista de Poesia Saudade" Nº 12, Junho, 2010, p 61.
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04/12/09

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Aqui me costumava eu sentar num tempo
de sereno abandono. Tempo em que as palavras
(quais insectos fulgurantes) germinavam sentidos
que eu nem adivinhava. Vinham e eram toda
uma paisagem com a brisa a envolver-me a tarde,
a humidade da grama, o ocre das paredes sempre

à luta com as trepadeiras. A dilatação do tempo
trazia-me, nessa altura, as roucas sirenes dos barcos,
o contraste pitoresco dos canteiros e até ( num
estranho perder de vista) os desenvoltos sorrisos
da infância. Aqui me viria eu sentar depois,
no tempo das grosseiras rotinas, dos rodopiantes

embustes com que agilmente te enfeitavas;
máscara a tingir de sombra as vidraças do jardim,
moldando de peçonha os rostos na aceleração
ininterrupta dos relógios e no frenético rodar
dos carros no asfalto. Acinzentado tempo esse
no vazio turbilhão de ti! Agora... agora regresso

ao tempo do assumido abandono. Do circular vivido
que um atento não descura nunca. Tempo ainda
com veleiros lá dentro, de novo a serpentearem o rio.
Veleiros que, sem remorso nem culpa, te lançam hoje
à praia como restos de um naufrágio; como coisa sem
préstimo, que desinteressadamente terei de arrumar
um dia no mais sombrio recanto da memória.

Victor Oliveira Mateus in "Revista Inútil" Nº2 Abril 2010, p 62.
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02/12/09

"E quando volta, e volta sempre,/ Poderosamente vem na sua luz"

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Sou crente do Sol, como qualquer,
Mas quando é noite
Dou maior atenção
Ao calor que me dispensa:
Aprecio este ir-se sem ausência.

E quando volta, e volta sempre,
Poderosamente vem na sua luz,
... fácil, uma pouco espessa pálpebra
Devolve-me a noite.

Sem glória, por capricho,
A minha,
A noite sofismada...

Maria Valupi In "Do Disperso Dia", ed. autor, s/c, 1967, p 61.
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Nota - Exceptuando os casos de poemas recebidos por mail ou por mim pedidos directamente aos autores - o que, talvez, não exceda as duas dezenas de poemas -, todos os textos postados neste blogue vêm de livros lidos por mim na íntegra e não de páginas encontradas ao acaso. A presente obra foi uma das primeiras de poesia que comprei. Depois Maria Valupi caiu no esquecimento, como tantos outros... Felizmente a "Quasi", em 2007, publicou uma Antologia desta autora, organizada e prefaciada por Ana Marques Gastão, com introdução da Carlos Nejar e posfácio de António Osório, por conseguinte fica-nos esta última, já que o livro referido acima deve ser uma raridade.
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01/12/09

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"Piano solo"


Há seres assim que se encerram
nos mais rasos e
desabridos campos onde
placas negras de xisto e rosa
ou grandes massas de pedra por vezes
entreabrindo laminadas estrias ocres
sem brandura
esse é o teu hirto gesto
o corpo reduzido a que
suporte apenas o rictus de um olhar
sonâmbulo e fixo e seu
trabalho dobrado sobre
as mãos escusas
já não carne: apenas
o espírito desse vento descampado
em tão cerrada e rente
soletração do tempo
tudo o mais é acre e breve riso
palavras ociosas e agitadas

(como se por elas
de tão brancas terras
te afastasses)


Maria Andresen de Sousa In "Lugares", Relógio D'Água Editores,
Lisboa, 2001, p 32.
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