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A Poesia obscena que se tem escrito na Península, e concretamente em Portugal, é um filão que o preconceito força a não referir. De Afonso X a Bocage, de Martin Soárez a Junqueiro esta poesia tinha funções sociais bem definidas, que não passavam, obviamente, por quaisquer formas terapêuticas, aliás, isso pode ser visto nos quatro poetas referidos, que, exímios cultores da poesia obscena, nunca descuraram outros tipos de lírica, quer virada para o mundo interior quer para entidades de tipo metafísico, das quais são grandes referências. O Afonso X que escreve as célebres Cantigas de Santa Maria é o mesmo que diz: se molher acha que o demo ten,/assi a fode per arte e per sen... este tipo de exemplo é válido para Bocage e para Junqueiro, que tanto escreve A porra do Soriano como Os Simples. Esta poesia é, por conseguinte, um manancial para as análises de costumes, histórica, linguística, social, etc. Este blogue tem já um poema de Joan Garcia de Guilhade, e avança agora para outro trovador. Em breve, e como exemplo contemporâneo deste tipo de poesia, postaremos outros poetas.
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Martim Soárez viveu no século XIII e foi contemporâneo de D. Dinis. Nasceu no Minho e acabou por vir viver na zona de Santarém. As suas cantigas de amor, as de escárnio e as de maldizer atingiram grande qualidade poética.
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Pero Rodrigues, da vossa mulher
não acrediteis em quem mal vos diga,
Já percebi que ela muito vos quer
e quem não o disser fará intriga.
Dir-vos-ei como foi que o compreendi:
no outro dia, quando a f_di,
mostrou-se-me ela muito vossa amiga.
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Pois vos deu Deus boa mulher, leal,
não receeis nenhuma picardia
de ninguém que dela vos disser mal.
Eu mesmo lhe ouvi jurar, noutro dia,
que vos queria mais do que a ninguém
e, para verdes como ela vos quer bem,
nem de mim fez excepção, que a f_dia.
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Martin Soárez In "Cantigas obscenas, de escárnio e maldizer" de
Orlando Neves, Notícias Editorial, Lisboa, 2004, p 79.
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