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"Disposições ( em sílaba qualquer)"
Faço rimar o sol quando quiser,
e desenho bigodes nesta fotografia de jornal,
decoro-a de cabelo
e um ar adolescente
Quando eu quiser,
o ar encher-se-á de gente imaginada
dançando para mim,
e a fotografia há-de saltar
a meio de um arabesco
ou de uma rima
Assim: gesto de Salomé,
os véus tombados,
a cabela inclinada em direcção ao rei,
que rimará com lei (a que desobedeço),
ou com as regras todas
que eu quiser
Sem lei os criarei,
motores obedientes do meu espaço
E a fotografia há-de sorrir,
o rei dirá "eu faço, porque faço",
e Salomé há-de dizer
"eu danço, em troca de"
Gostava, já agora, de te
fazer rimar aqui, quando quisesse,
agora, por exemplo,
ou numa hora. Ou já
Como não posso, rimo o sol
com tudo - a ti, sei lá
com quê -
Ana Luísa Amaral In "Se fosse um intervalo", Publicações D. Quixote, Lisboa,
2009, pp 69 - 70.
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