09/04/13



( Excerto de Sunset Boulevard
Ode Gente )


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Acende um Farol em cada praia. Não esperes os navios. Entra em todos os seus porões sem aviso - Recheia os capitães de Susto - Enche os porões de riso e espasmo... Penteia-os com gel de golfinho. Sempre estive perto da loucura, se não fui ela própria, sempre quis ter bigodes púrpura e ser só a chuva lá fora -


Nunca quis ser um poeta, só quis ser um navio em chamas: Um navio violado pelo seu tio, todas as manhãs e todas as tardes, um navio que à noite lê Bataille - Um Navio que se afasta dos outros navios se não tiver cuidado, um navio que só quer ser ponte,
limite e União.
Um navio que com os seus óculos de Sol, escreve na sua rota: - Não existe o que se escreve nas rotas -
Um navio que mesmo assim escreve e insiste em escrever, seja no osso de uma namorada morta, seja no computador, seja em rolo de papiro, em pergaminho, em papel, em folha de gelatina, em mármore, em porta de casa de banho, em quadro (pode ser com unhas ou com dentes) em areia molhada, no braço ou nas costas em tatuagem num deserto mexicano, num campo relvado, a chantilly num bolo de chocolate, no lodo, na lama, no gelo com patins, na cerâmica, na argila, no fogo, desenhando um rasto de gasolina, com urina num ladrilho seco - Não interessa o suporte, mais ou menos perene, ele só prova a nossa inocência, a nossa necessidade de partilhar -
A literatura só pode ser União... Um navio que escreve rápido no ar e em fumo de cigarro

( são precisos bons reflexos e ante-braço forte) - A LITERATURA TEM DE SER, É UNIÃO.

Nunca quis ser um poeta, sempre quis ser um espelho colocado no centro da Austrália, sempre quis ser a "fome de gente" que os espelhos têm - Pequenos fios dourados, Guardar uma coisa qualquer, um hipermercado, um segredo, proteger essa coisa dos lobos; Ser vários cangurus espalhados pelo deserto reflectidos na minha cara fosca, de um e do outro lado, uma cara fosca que é só deserto espelhado carregado de nuvens vermelhas no vidro e na sede de ter Muitas Línguas - Deserto Compositor a Criar um Requiem em Braille para que os cegos cantem uma Osana Perfeita  -
(...)
Não interessa a escolha do caminho, mas a intensidade com que se o percorre, seja ele um ou em tudo múltiplo e comprido. Deserto a abraçar deserto, deserto a espalhar-se, vermelho na perda por deserto e deserto, deserto com sede de pessoas.
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  Brito, Nuno. Duplo Poço.  S/c:  Hariemuj Editora, 2012, pp 32 - 33.
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