Por isso, não me pergunto tanto por que razão me entrego ao abandono, mas sim por que razão escrevo sequer. Porque não é fácil escrever, exige um esforço terrível e provavelmente inútil. Obriga-nos a recordar, e ainda que nunca possa livrar-me nem por um momento das recordações, nem eu nem aqueles que partilham o meu destino, gostaríamos ao menos de ser poupados a esse conhecimento. Afinal, estamos já acostumados à condição singular deste país: nunca somos livres, não somos "nós próprios", o desconhecido torna-se mais forte do que nós e leva-nos a estranhar o nosso próprio coração.
A esta condição começamos por chamar "viver experiências fortes". Somos expostos à paisagem desmedida, às suas cores esplêndidas e formas puras, à sua singularidade imperial. Observamos modos de vida estranhos, com curiosidade primeiro, depois com aversão. Mas como esta aversão se esbate, isso já não sabemos.
Com uma risada, os mais fortes enxotam para longe estas tentações, que se insinuam como doenças. Os mais inteligentes voltam para casa a tempo. Mas muitos de nós somos fracos, e eu estou "entre os mais fracos".
Escrevi muito acerca desta terra, de modo objectivo e sem nunca me aproximar demasiado. Donde vem então este impulso amargo para a confissão? Não poderei simplesmente confiar nos meus amigos? Não sabem eles também como é viver aqui, não poderão eles ajudar?
Contudo, por estranho que pareça, evitamos chamar estas coisas pelos nomes. Falamos muitas vezes da Pérsia, e sem dúvida que vale a pena conversar sobre os seus muitos tesouros e curiosidades. Mas quando alguém tem saudades de casa, não fala delas - e este é apenas o primeiro estádio do sofrimento.
(...) Os anjos são demasiado fortes e caminham com pés invulneráveis, mas os homens não querem pedir nada a ninguém, não sabemos ao certo qual é o ponto vulnerável dos outros, talvez seja o nosso? E assim se espalha o silêncio. A esta propagação do silêncio chamamos "endurecer"...
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Annemarie Schwarzenbach in " Morte na Pérsia", Edições Tinta-da-China, Lisboa,
2008, pp 86 - 87.
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