25/07/10

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                            "Lobisomem"
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Não preciso de luas cheias para que os uivos se soltem da garganta e sigam disparados contra as estrelas. Basta-me o quarto minguante das iniquidades, a lua gibosa dos hipócritas, a mediocridade dos cretinos aleitados pela sagrada vaca da pesporrência.
Na verdade, não careço de dia treze para que o azar me bata à porta e entre sem sequer eu ter oportunidade de perguntar quem bate. Queixar-me não posso, mas dói quando o pêlo irrompe dos poros, as unhas saltam afiadas para fora dos dedos, os dentes procuram a carne que satisfaça o apetite.
Quem pensar que não dói, desengane-se. Pago a raiva com uma incomensurável solidão. Mais ainda quando dizem estar comigo todos os crápulas de latido dissimulado. Debaixo do meu uivo, mal podem imaginar sua ínfima condição de cachorros domésticos.
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Henrique Manuel Bento Fialho in "Estranhas Criaturas", Deriva Editores, Porto, 2010, p 24.
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