08/06/12

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suportei o inverno mais longo de sempre lendo as
entrelinhas do teu vestido. acertei as horas às estrelas
e nas estrelas deixei os sonhos dos embondeiros.
quando dei a volta ao universo regressei ao princípio
da palavra e voltei a cantar tudo de novo, porque era
finalmente uma criação bela, estava transparente como
uma pérola por recolher. parei. deixei-me deserguer
numa colina primordial e inventei uma casa. usei o teu
vestido para fecundar o jardim e sempre que o sol caía
nas hortênsias o amor me encontrava. escrevi os primeiros
poemas. iluminaram-se-me as sombras, mas não tinha
sombras, penas perfumadas somente. como um anjo
que guarda a eternidade, voltei a adormecer despido.
sonhei, estou certo disso, de boca aberta, por onde
se esgotou a tristeza e o pórtico naufragado do
esquecimento.

    Gonçalves, Daniel. A tua luz costurou-me uma bainha no coração. Fafe:
Editora Labirinto, 2012, p 12.
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