12/12/12

Acerca do último livro de Nuno Dempster.


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  O livro de contos recém-publicado da autoria de Nuno Dempster apresenta-se-nos como um conjunto de narrativas todas elas integradas no cânone literário do realismo e aqui surge-nos uma característica deste livro que me parece interessante referir: o autor, sem recorrer a técnica alguma de encaixe, e sem se afastar desse cunho do concreto que pretende para os seus contos, acena-nos, por vezes, com características e técnicas daquilo, que, para alguns teóricos, não chega a formar géneros literários específicos, assim, encontramos tonalidades da escrita gótica em “A chaise longue”; da ficção policial – sobretudo o mistério, a estranheza e a actuação do protagonista tão avessa à razão natural - em “Jack”; da narrativa histórica em “Vénus”. Contudo, esta deriva do autor, aparentemente aleatória, não é utilizada para dar foros de cidadania a quaisquer dos movimentos referidos, mas apenas para enfatizar uma realidade que se pretende actual e concreta. Mas Nuno Dempster não se limita a circundar as suas opções estilísticas com acenos de uma ou outra escola, de um outro movimento, ele considera o realismo, em algumas das suas várias facetas, em cada um dos seus contos, no entanto, convenhamos, essa mesma consideração não é exclusiva mas tão-só predominante, pois na trama narrativa todas se encontram interligadas. Por conseguinte, podemos encontrar um realismo de cariz sociocultural em “O papel de prata”, de tipo subjectivo em “Meia dúzia de sardinhas” e até mesmo sociopolítico em “ A bilha de água”.

  O facto de Nuno Dempster recorrer, nos seus contos, a um narrador não-participante (com excepção de “Uma aula de inglês”), a personagens redondas e a uma quase constante coincidência do tempo cronológico com o tempo do discurso, não só dota a sequencialidade narrativa de uma extrema limpidez, mas também funciona de forma eficaz como estratégia de captação do leitor para a estória de que ele passará também a fazer parte. Ainda relativamente às personagens parece-me importante ressalvar a sua bem conseguida caracterização psicológica, social e cultural, aliás, nem sempre feita de modo directo, e urge ainda acentuar o modo criterioso como todas elas são colocadas, pelo narrador, no conjunto dos acontecimentos – tomemos como exemplo o primeiro conto, “O papel de prata”: a estória decorre em torno do protagonista (Horácio), cuja caracterização – complexa – psicológica e social nos vai sendo dada no decorrer da acção, todavia, apesar do desenrolar desta ser linear (com excepção de “O reflexo” as analepses e as prolepses são banidas da narrativa dempsteriana!) e do espaço ser quase sempre fechado e privado, a acção desenvolve-se pela sedução de um ritmo ao qual o leitor não consegue ficar indiferente, e contribuindo também para esse prendimento o exímio manejar de outras categorias da narrativa, neste caso concreto as personagens secundárias ( Marta, a tia e Hermínio ) e os figurantes (os pais de Horácio). Tal minúcia narrativa pode ser detectada em qualquer um dos outros contos desta colectânea, veja-se, por exemplo, “Swing” em que bastaria a supressão de um mero figurante (neste caso Márcia Medeiros, a professora de matemática) para que todo o conto se esboroasse ou adquirisse um trajecto completamente distinto.

  O livro “O papel de prata, o reflexo e outros contos pelo meio” da autoria de Nuno Dempster e recentemente publicado pela “Companhia das Ilhas” foi, portanto, e pelos motivos apontados, uma obra que li com muito interesse e agrado.

 

 

                                                                                           VICTOR  OLIVEIRA  MATEUS