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O livro de contos recém-publicado da autoria
de Nuno Dempster apresenta-se-nos como um conjunto de narrativas todas elas
integradas no cânone literário do realismo e aqui surge-nos uma característica
deste livro que me parece interessante referir: o autor, sem recorrer a técnica
alguma de encaixe, e sem se afastar desse cunho do concreto que pretende para
os seus contos, acena-nos, por vezes, com características e técnicas daquilo,
que, para alguns teóricos, não chega a formar géneros literários específicos, assim,
encontramos tonalidades da escrita gótica em “A chaise longue”; da ficção
policial – sobretudo o mistério, a estranheza e a actuação do protagonista tão
avessa à razão natural - em “Jack”; da narrativa histórica em “Vénus”. Contudo,
esta deriva do autor, aparentemente aleatória, não é utilizada para dar foros
de cidadania a quaisquer dos movimentos referidos, mas apenas para enfatizar
uma realidade que se pretende actual e concreta. Mas Nuno Dempster não se
limita a circundar as suas opções estilísticas com acenos de uma ou outra
escola, de um outro movimento, ele considera o realismo, em algumas das suas
várias facetas, em cada um dos seus contos, no entanto, convenhamos, essa mesma
consideração não é exclusiva mas tão-só predominante, pois na trama narrativa
todas se encontram interligadas. Por conseguinte, podemos encontrar um realismo
de cariz sociocultural em “O papel de prata”, de tipo subjectivo em “Meia dúzia
de sardinhas” e até mesmo sociopolítico em “ A bilha de água”.
O facto de Nuno Dempster recorrer, nos seus
contos, a um narrador não-participante (com excepção de “Uma aula de inglês”),
a personagens redondas e a uma quase constante coincidência do tempo
cronológico com o tempo do discurso, não só dota a sequencialidade narrativa de
uma extrema limpidez, mas também funciona de forma eficaz como estratégia de
captação do leitor para a estória de que ele passará também a fazer parte.
Ainda relativamente às personagens parece-me importante ressalvar a sua bem
conseguida caracterização psicológica, social e cultural, aliás, nem sempre
feita de modo directo, e urge ainda acentuar o modo criterioso como todas elas
são colocadas, pelo narrador, no conjunto dos acontecimentos – tomemos como
exemplo o primeiro conto, “O papel de prata”: a estória decorre em torno do
protagonista (Horácio), cuja caracterização – complexa – psicológica e social
nos vai sendo dada no decorrer da acção, todavia, apesar do desenrolar desta
ser linear (com excepção de “O reflexo” as analepses e as prolepses são banidas
da narrativa dempsteriana!) e do espaço ser quase sempre fechado e privado, a
acção desenvolve-se pela sedução de um ritmo ao qual o leitor não consegue
ficar indiferente, e contribuindo também para esse prendimento o exímio manejar
de outras categorias da narrativa, neste caso concreto as personagens
secundárias ( Marta, a tia e Hermínio ) e os figurantes (os pais de Horácio).
Tal minúcia narrativa pode ser detectada em qualquer um dos outros contos desta
colectânea, veja-se, por exemplo, “Swing” em que bastaria a supressão de um
mero figurante (neste caso Márcia Medeiros, a professora de matemática) para
que todo o conto se esboroasse ou adquirisse um trajecto completamente
distinto.
O livro “O papel de prata, o reflexo e outros
contos pelo meio” da autoria de Nuno Dempster e recentemente publicado pela
“Companhia das Ilhas” foi, portanto, e pelos motivos apontados, uma obra que li
com muito interesse e agrado.
VICTOR OLIVEIRA MATEUS