" Qual o Voo Do Poeta? "
Aqui chegados a esta catedral aberta
logo nos disseram que nós, poetas,
espécie zoológica de antenas cegas,
nada tinhamos que ver
com uma missa de defuntos.
Houve um pescador afogado. Fraca coisa
para poetas alheios a trivialidades
e a fait-divers. Alguém nos alertou:
"É ver como o afogado se vai erguer
do seu catafalco de bambus
e voar nas asas
do seu ventre inchado de balão".
E mais: "Todos os que andaram
com ele neste mar de tufões,
mas ainda vivos, hão-de um dia voar do mesmo modo,
o trajecto em V das aves
que para onde uma vai todas vão."
Vimo-las já sobre a praia de Cheoc Van,
praia nem sempre de esperanças.
Eu e tu entrelaçamos os dedos.
Pertencíamos, poetas, também a um mundo de asas,
mas as nossas não eram para a força daquele voo.
Torres, Alexandre Pinheiro. Trocar de Século. Macau: Fundação Oriente, 1995, p 79.
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