"Alone" fotografia de Ivan Bajic (Hungria, 2009).
"Luto"
Os amigos são feridas antigas que crescem
connosco. Feridas que por vezes cicatrizam,
deixando-nos inteiramente contra o vento.
Aconchegados a uma arrastada melancolia,
ingerimos pequenas doses de substâncias letais,
coisas que nos dão cabo do canastro, por assim dizer.
Eis, em suma, o desalento com a vida
que entretanto nos assola, presos
a uma espécie de amargura e de desejo.
Porém, o instinto de sobrevivência
é a ferramenta mais espalhada no mundo.
Toda a gente aprende a utilizar esse recurso.
E não falo do modo como reconhecemos as aves,
as plantas. Ou de como construímos abrigos
nocturnos nas copas das árvores.
Falo simplesmente de uma grande habilidade
para limpar o local do crime:
admitimos sempre que melhores dias virão;
faz parte da nossa essência.
Pois bem, cortámos o alarme agora mesmo.
De quanto tempo precisamos, afinal?
Vítor Nogueira In "Comércio Tradicional", Averno,
Lisboa, 2008, p 32.
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