05/05/09
... gostava das minhas vozes a ecoar a uma só voz no silêncio...
"Reflexos"
Eu sabia das histórias dos jacintos que cresciam nos jardins da casa grande, que, à noite, enquanto eu dormia, velavam os meus sonhos. Porque, em cada madrugada, eles se abriam
para mim num sorriso.
Mas também sabia dos peixes multicores que, dentro do aquário, rejeitavam a sua prisão.
Debatiam-se, nadando violentamente contra o vidro para chamarem a minha atenção. Resolvi
libertá-los e deitei-os a nadar livremente dentro do poço grande.
Mas, um dia, um pássaro entrou violentamente pela janela e pousou veloz sobre os meus
ombros franzinos. Estava ferido e não tinha olhos de pássaro. Eu ainda o tratei mas ele nunca
mais voou. Um dia depois caiu repentinamente morto no chão da sala. Eu conhecia a palavra
morte, mas não sabia o significado da morte.
Sabia ainda que as palavras poderiam ter a cadência que eu lhes quisesse dar. Por isso,
gostava das minhas vozes a ecoar a uma só voz no silêncio das colinas, e ainda me lembro
da doçura das manhãs na aldeia, enquanto fazia desenhos de água nas pétalas dos lírios tão frágeis quanto eu.
Hoje, eu sei mais do que sabia nessa altura. Porém, apenas sinto os reflexos da morte dos jacintos, dos pássaros e dos peixes, que nesta manhã me assaltaram cruelmente, enquanto lá
fora os sonhos já não existem e a casa grande apenas resiste ao tempo...
Piedade Araújo Sol (Inédito).
Nota - agradeço à autora a autorização dada para publicar este texto neste meu blogue.
Para mais elementos consultar o blogue " olhares em tons de maresia "
(http://www.olharemtonsdemaresia.blogspot.com/)
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