02/07/09


Eu sou a juventude: sou o canto das avelaneiras a deixar oiro
aos meus cabelos, que são teus.
Na minha carne verás o poder do teu quebranto
e a arte que na memória toca o fundo de duas árvores opostas
a tornarem-se uma só.
Sou o fruto que receio de mim,
quando me ouvires contar a minha história cercada de alabastro. Sou
o que desejas agora, nessa audácia pelos campos
com desapego e indolência. E não verás nenhuma fonte,
mas posso falar-te de uma a nove léguas de distância.
Eu sou a juventude que possuis,
sou a vanglória atraída a outra coisa que viu longe,
que em breve saberás.
Abrigo a tua pele ignorada para que nenhuma mulher te veja sem amar-te, e
dos meus jardins te afasto,
cujas lembranças que terás os tornam graciosos.
Nem sempre creias na cidade futura a que prometia que chegasses,
nem enquanto nos tivermos apenas a nós dois
nesses corações, que nossos, não pensam no que nasce.
Virá o tempo em que te verás desaparecer
e eu já não poderei imaginar-te. E
com os frutos que se desprendem
entre olvidos, como agora se despede esta manhã,
irás dizer-me de uma forma distante
o que dentro e à volta do mundo eu fui deixando.
Sim, em breve eu e tu, e dos restantes, estaremos separados,
e a todos quererão outros lábios mais vorazes, que
sejam, em vez de mim, o meu perdão.
Sim... em breve... olha além a luz que clareia os campos,
vê lá os cantoneiros a segredar que estão aqui,
vê os vigilantes de jardins a acender o funcho, mais
os que estão por nascer, mais os velhos em redor do fumo e que estão certos,
vê se calhar isolado entre as heras o meu canto,
mas não digas adeus, não acenes cabisbaixo à cidade que se afasta; que
na última colheita dos teus frutos
virei com meu rebanho
sobre as nuvens dos teus filhos.


Rui Coias (Pré-publicação)
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