04/08/09
"Condomínio Fechado"
Ficou o cedro enorme, disseste, o que guarda
os nossos afectos e as conversas avulsas dos outros:
o lugar de todas as passagens é agora o centro
do vazio que sobe das raízes até ao horizonte
se houvesse horizonte, ao menos um pouco de ar.
O cedro e os segredos antes de corrermos para o forte,
de combinarmos as guerras maninho,
de sabermos que tudo ia ruir, menos o cedro, dizes.
Que adiantaram as nossas vitórias? As derrotas dos outros
deixaram-nos a memória ruidosa de um cedro, o ouvido
disperso pelas folhas e o silêncio magoado a toda à volta.
Combinávamos a vida, o alvoroço da folhagem.
Agora o telefone toca por engano - não mora aqui ninguém
com esse nome, todos moramos num ecrã de televisão
com vista para o mar. Eu só lembro o tufão que te arrancou:
nós torciamos o bibe com mãos nervosas e as mãos
dos homens refaziam os alicerces agasalhando-te
na terra fértil. Cheirava a estrume e nós sabíamos
que a vida voltava - na folhagem luziam os afectos
que limpam o tempo depois da tempestade. Guardião
do templo, para quem guardas as nossas vozes
se nós mesmos perdemos os ouvidos e as mensagens
não chegam até nós? Pelo sim, pelo não
maninho, deixa ligado o telemóvel.
Rosa Alice Branco In "Da Alma e dos Espíritos Animais", Campo das Letras Ed.,
Porto, 2001, pp 37-38.
.
.
.