"Segunda Variação Sobre o Sublime"
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Temos sublime de tipo A e sublime de tipo B.
Qual deseja? - Não tem de tipo C?
Não, desse não temos. - Então dê-me
um de tipo A e outro de tipo B. Posso misturá-los?
Não é muito conveniente. - Porquê?
Porque o de tipo A, apesar de ser constituído
por substâncias amigas do de tipo B, pode,
se misturado com este, desencadear reacções adversas.
- Quais? Bem, temos conhecimento
de alguma perfídia, rancor... Por vezes
a afeição dissimulada entre ambos resulta
numa maledicência caluniosa nunca assumida.
O que dantes era genial transforma-se em bestial,
como um amor que se dissolve em ódios
de trazer a tiracolo à hora do tiro aos pratos.
Convém também esclarecer que a mistura
de sublime de tipo A com o de tipo B
pode acarretar consequências embaraçosas
para o consumidor, como sejam as de em honra
do silêncio perder-se a honra pela palavra.
Sabe como é, tudo bem quando acaba bem,
tudo mal quando nasce torto. O melhor será
manter ambos dentro de frascos hermáticos,
separados por alguns metros, à distância
de mortais quebrantos, que isto de se zangarem
comadres, ao contrário do apregoado,
nunca traz as verdades. As verdades são
sempre as de cada qual como convém a cada um.
E entre sublimes, como sabeis, não há verdades.
Só há conveniências e oportunidades,
questões de agenda e de tabela periódica.
Sabe como é. - Sei, sei. E noto que percebe
muito de sublimes. Sendo assim, o melhor será
não levar nenhum e mantê-los na prateleira.
Não tendo o de tipo C, procurarei noutro lado.
Lamento informá-lo de que está esgotado.
- Não importa. Prefiro continuar a procurar
a desenrascar-me com o que não presta.
É como diz o povo: o barato sai caro. Lá isso é.
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Henrique Fialho In " Big Ode # 7 - Sublime ", 2009, p 9.
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