14/04/10

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(Nota- Maria Eglantina, mulher de Fortunato Godinho da Silveira, era também chamada por outros nomes pela população das ilhas: Nha Chumpa, Nha Triste, Nha Santa...)
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Ao mesmo tempo que falava, Floriana estendia-se ao comprido sobre a cama, ficando deitada ao lado de Nha Chumpa. Ao recostar-se, as saias subiram permitindo que as pernas de Floriana tocassem ao de leve as da senhora. O coração da dona da casa iniciou uma batucada que Floriana podia ouvir e ver no decote da blusa rendada, onde o peito de Maria Eglantina se movia agitado. O momento há tanto tempo desejado por ambas aproximava-se do início. Floriana tomou e beijou docemente as mãos da sua Nha Chumpa, depois, inclinando-se sobre a face afogueada de Maria Eglantina, beijou com ternura as pálpebras cerradas. A senhora, de olhos fechados e com a alma a transbordar de ternura, procurou a boca de Floriana, beijando suavemente os lábios macios e carnudos.(...) Uma vacilante vertigem ganhara espessura e flutuava no espaço, conferindo mais brilho ao olhar das duas que transbordava de amor. Floriana amou no corpo de Nha Chumpa o que ele emanava e não a aparência física. Maria Eglantina, nas estranhas visões inspiradas pela paixão amorosa, vira em Floriana um anjo que lhe lia o rosto, as pontas dos seios e as imagens que a sua mente produzia.(...) Quando o coração acalmou e a razão se substitui à ternura e ao desejo, Nha Chumpa, atordoada, incrédula pelo local para onde fora transportada por momentos pelos beijos e mãos de Floriana, pediu para ficar sozinha.
- Afasta-te, quero ficar só!- implorou com voz firme. Floriana vestiu-se, dirigiu-se para a porta. Antes de a fechar atrás de si, olhou Nha Chumpa nos olhos e com suavidade, arrastando a voz, sussurrou.
- N' creu tcheu!
Nha Chumpa levantou-se da cama, vestiu sobre o corpo nu um roupão de algodão. Aproximou-se da janela (...). Já sozinha no quarto, culpabilizada por se ter entregue nos braços de uma mulher, proclamou, bendito e louvado seja o Senhor! Depois, mais recomposta e apaziguada, sentou-se num cadeirão (...). Uma enorme nostalgia apoderou-se do coração, levando-a a murmurar consigo propria.
- Nem o meu tão amado tenente me transportou com tanto carinho ao lugar onde reside o prazer. Será certamente arriscado transformar uma criada numa amiga, mas mais grave e perigoso é tranformá-la em amante - concluiu.
(...) Nessa mesma noite, Floriana não cumpriu a habitual tarefa de servir o jantar. Fortunato não reparou que foi a empertigada Joaquina a levantar os pratos, pôr e tirar da mesa terrina e travessas, despejar vinho e água nos copos dos patrões. A hora do jantar era sempre triste e silenciosa. Fortunato raramente falava com a mulher. Maria Eglantina respeitava o silêncio do marido, que só era interrompido pelo tilintar de copos e talheres.
No momento em que Maria Eglantina se preparava para deitar, o marido irrompeu pelo quarto. Sem bater à porta, gritou.
- Tens de me servir, o rapaz qualquer dia já rói ossos, precisa de um irmão! Maria Eglantina foi atirada para cima da cama, despida e possuída (...). Quando o tormento terminou, Nha Chumpa, enojada, levantou-se da cama (...) antes de entrar na casa de banho, ouvira Fortunato gritar.
- Não te laves! Porra! Quero outro filho!
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Henrique Levy in "Praia Lisboa", Livros de Seda, Lisboa, 2010, pp 142 - 148.
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