A França, as viagens marítimas, o perfume das amoreiras em Lavilledieu, os comboios a vapor, a voz de Hélène. Hervé Joncour continuou a contar a sua vida, como nunca, na sua vida, tinha feito. Aquela rapariguinha continuava a fitá-lo, com uma violência que tirava a cada sua palavra a obrigação de soar memorável. A sala parecia agora ter deslizado para uma imobilidade sem retorno quando de repente, e de uma forma absolutamente silenciosa, ela esticou uma mão para fora do vestido, fazendo-a deslizar na esteira, diante de si. Hervé Joncour viu chegar aquela mancha pálida às margens do seu campo visual, viu-a tocar ao de leve na chávena de chá de Hara Kei e depois, absurdamente, continuar a deslizar até apertar sem hesitação a outra chávena, que era inexoravelmente a chávena onde ele bebera, levantá-la ligeiramente e levá-la consigo. Hara Kei não parara um instante de fitar sem expressão os lábios de Hervé Joncour.
A rapariguinha levantou ligeiramente a cabeça.
Pela primeira vez tirou os olhos de Hervé Joncour e pousou-os sobre a chávena.
Lentamente, fê-la rodar até ter nos lábios o ponto exacto onde ele tinha bebido.
Semifechando os olhos, bebeu um gole de chá.
Afastou a chávena dos lábios.
Fê-la deslizar de novo para onde a tinha alcançado.
Fez desaparecer a mão no vestido.
Voltou a apoiar a cabeça no regaço de Hara Kei.
Os olhos abertos, fixos nos olhos de Hervé Joncour.
.
Alessandro Baricco in "Seda", Difel, Miraflores, 1998, pp 30 - 31.
.