O livro-da-sabedoria não está escrito em qualquer uma das línguas vivas do mundo. Quando o abres é só silêncio que ouves - silêncio infinito. Por vezes parece-te ouvir o rumor do vento dos grandes desertos, mas é só a tua respiração fatigada. Por vezes parece-te ouvir uma voz ressoando numa gruta, mas é apenas uma aranha que tece a sua teia infinita. O livro-da-sabedoria é um livro vazio, perpetuamente fechado na sua dureza aérea, brilhante - rutilante. Para o leres terás de desaprender a linguagem de que és feito. Quando o abres, és atingido por um golpe de luz. Ofuscante - faiscante. Terás não apenas os olhos cegos para o mundo, mas também as mãos dormentes por terem tocado a substância do vazio. Regressarás em luz, transparente até aos ossos. Irradiante pela noite e negro pelo dia. O livro que abriste encerrou-se como a gruta secreta da morada do ser. Aceita perder-te. Aceita a significância do nada. Vive com a ferida lancinante permanentemente aberta. Ouve o sangue despenhando-se do alto - alfabeto dos alfabetos de todos os livros.
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Manuel Silva-Terra in "Lira", Editora Licorne, s/c., 2009, pp 38 - 39.
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