Assim, Anne Sexton associa a sua anatomia feminina à ausência de controlo: na sua revisão feminina de The Waste Land, "Hurry Up Please It's Time"( "Despachem-se, Está na Hora"), Sexton identifica-se com a mulher operária gasta, porque sabe que "Tem tinta mas não pena." Sexton sente que os seus poemas "vertem" dela "como um aborto espontâneo". De uma forma parecida, Frida Kahlo apresenta-se amarrada por cordas vermelhas que não são só as suas veias e raízes, mas também a sua própria arte, é uma pintora cujos trágicos problemas físicos contribuíram para que ela se sentisse ferida, penetrada e ensanguentada.
Mergulhadas em histórias da nossa própria destruição, histórias em que nos confundimos connosco próprias, como é que podemos, enquanto mulheres, ser criativas? Na história de Dinesen a criatividade da arte feminina sente-se como a destruição do corpo feminino. Por causa das formas de auto-expressão ao alcance das mulheres, a criação artística muitas vezes é sentida como violação, uma reacção tardia à penetração masculina em vez de ser sentida como posse e controlo. (...) Se a criatividade artística é comparada à criatividade biológica, o terror da inspiração para as mulheres é sentido literalmente como o terror de ser penetrada, desflorada, possuída, rasgada, violada - todas estas palavras que ilustram a dor do ser passivo cujos limites estão a ser violentados. De facto, tal como as suas antecessoras do século XIX, as mulheres do século XX muitas vezes descrevem o despertar do seu talento como uma infusão recebida de um mestre masculino em vez da inspiração ou do comércio sexual com uma musa feminina. Este mestre fálico faz com que a escritora sinta que as suas palavras estão a ser exprimidas através dela em vez de por ela. Tal como Mary Elizabeth Coleridge que vê os seus lábios como uma ferida silenciosa, ou Charlotte Bronte, que sofre "duma ferida secreta interna" no momento em que sente "o pulsar da Ambição", ou Emily Dickinson, que é amarrada como a Imperatriz do Calvário em alguns poemas e como o fauno ferido em outros, as mulheres escritoras receiam, muitas vezes, a emergência do seu próprio talento.
(...) O protótipo do século XX desta ansiedade de que a poesia tem origem numa posse ou numa ferida é, claro, Sylvia Plath. Tal como a heroína de Drabble, cuja criatividade é libertada com o nascimento do seu segundo filho, Plath começa Ariel com um poema relativamente jovial sobre dar à luz que parece prometer uma imagem mais positiva da criatividade das mulheres. Mas mesmo aqui, em "Canção Matinal", o nascimento de uma nova manhã parece transformado em pesar e luto, porque a criança é uma "Nova estátua" e os pais "permanecem parados e sem expressão como paredes".(...) Plath só consegue escapar do terror de ter sido criada como objecto (como afirma em "Lady Lázaro", "Sou o teu opus") através da violência auto-infligida ao ver a mancha de sangue escurecendo as ligaduras, provando que está viva. Um sentimento de desamparo total parece inextricavelmente relacionado com a emergência da sua voz...
(...) Adrienne Rich também identifica o sangue com o corpo feminino: "Às vezes todos/ Os orifícios do meu corpo/ vertem sangue. Não sei se/ hei-de fingir que isto é natural." Por outras palavras, Rich está consciente de que mesmo as suas atitudes mais íntimas em relação ao seu próprio sangue foram definidas por vozes masculinas...
Gubar, Susan. A "Página em branco" e questões acerca da criatividade feminina in "Género, Identidade e Desejo, Antologia crítica do feminismo contemporâneo" (organização: Ana Gabriela Macedo). Lisboa: Edições Cotovia, 2002, pp 114 - 117.
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