01/10/12

"não há quem se toque// não percebem// voltamos a nós como a casa "


 " sado-musa "

segui a rota do raciocínio até ao beco do teu punho

acordei com a imposição de retribuir

esmurrei-te nesse momento por solidariedade

fiquei com a impressão de que me arrancarias a pele
da ponta dos dedos por te angustiar minha falta de tacto

destruimo-nos em câmara lenta para perpetuar o
momento

estou estático

tenho finalmente contigo um momento etéreo de
privacidade

os nós dos teus dedos apertam-me as bochechas
contra os dentes que cedem rindo com canções de filmes
mudos

tocamo-nos e isso é incomparavelmente bom

há coisas parecidas com abraços que fazemos um ao
outro para nos matarmos

os invejosos tentam apartar-nos

são esses os que odeio

nunca dei sangue na vida

nunca deram nada por mim

escorro vertical vermelho até à calçada

e bebem ervas nos intervalos das pedras

foste procurar um cano oco para me bater em cheio

abro o peito e o coração bate por ti

amo-te

dás-me importância

chamas-me nomes

deixo o ser anónimo

vá    continua que eu invento um pânico que te
alegre

há gente a ver

não percebem

vamos explicar

começamos a explicação

não percebem

fogem

não nos ficam debaixo das botas nem por trás dos
socos

olhamos em volta

não há quem se toque

não percebem

voltamos a nós como a casa

  Negreiros, João. O amor és tu. S. Pedro do Estoril: Edições Saída de Emergência, 2012, pp35 - 37.
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