30/09/12


  " Calçada dos Mestres  "


Três velhas e eu,
na última taberna de Campolide.
Falavam de ir "levantar" os maridos,
o que deles resta.
Mas não estão "capazes":
dois anos debaixo da terra
nem sempre é o bastante.
"O meu João era mais forte do que
o teu" - trabalho de vermes,
apenas. Também "por esta altura
morreu o Joaquim Sapateiro",
recordam. Como se já só
da morte vivessem
( o que não foge demasiado
à verdade geral:
alimentos em preparação - ou cinzas ).

Há quem tenha estado
dez anos debaixo da terra,
antes de poder ser "levantado"
- e há quem nunca tenha estado vivo,
acrescenta o autor destes versos,
condensando a tarde numa garrafa vazia.

Estão a perceber agora
por que é que eu gosto tanto
de tabernas?
( Não respondam; o poema termina aqui,
porque a Dona Joana tem de ir ao oculista. )

   Freitas, Manuel de. A Última Porta. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010, pp 109 - 110.
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