Sem recusar uma preocupação com o mérito literário das obras, creio, no entanto, que a tarefa da crítica literária deve radicar sobretudo na interpretação e na análise, por aí contribuindo para a revelação do valor da(s) obra(s). Deste modo, a crítica poderá desempenhar um papel verdadeiramente produtivo no contexto da comunidade literária, abrindo simultaneamente ao leitor potencial dos textos analisados um campo de intervenção e de permuta. Se é certo que o discurso crítico é inevitavelmente persuasivo, não é menos certo que se a crítica se esgotar na persuasão através de juízos de valor estará a criar as condições para se tornar um mero adereço da cena (literária) que deveria ser sua função analisar.
Creio que devo ainda acrescentar a minha convicção de que o crítico não deve preocupar-se com uma competição com o(s) escritor(es) através da prolixidade de um discurso recheado de jogos verbais e/ou de conceitos fundados na retórica do fascínio da sua própria produção. Ou seja, pretendo não só distanciar-me daquele tipo de discurso contemporâneo que sanciona o acto crítico pelo mero espectáculo de (uma) escrita, mas também justificar a economia deste ensaio exactamente pela fundamentação dos juízos que contém. No entanto, devo também sublinhar a minha crença na intersecção do trabalho literário e do trabalho crítico numa mesma urgência para responder às solicitações do real através da determinação das condições estéticas da sua interpretação. Ou seja, pretendo não só legitimar o dialogismo implícito nas construções intelectuais do (meu) trabalho crítico, mas também reiterar a validade dessas mesmas construções.
Finalmente, esclareça-se que as divisões que irei fazer não são absolutas. Se a dominante da produção de um determinado autor parece sugerir a sua inclusão num determinado conjunto, esse facto não anula a possibilidade de esse mesmo autor também apresentar características que o "empurram" para um outro conjunto. Esta situação não faz mais do que confirmar a poesia como género plural, e o trabalho que a organiza como exercício potencialmente conjuntivo da multiplicidade do real - e que, aliás, torna a tarefa crítica muito ingrata, mas também extraordinariamente aliciante.
Martins, Manuel Frias. 10 anos de poesia em Portugal 1974-1984, leitura de uma década. Lisboa: Editorial Caminho, 1986, pp 13 - 14..
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