A Margarida tem umas mãos muito bonitas e quando joga ao berlinde connosco eu gosto de ficar a olhá-las e então lembro-me da vez em que me tocou o ombro, fazendo desaparecer por momentos a minha tristeza. Aquele único toque mudou a minha vida. Mas, a verdade é que continuarei só a olhá-la e a achar que é a mais bela rapariga, porque do outro lado tenho o Lininho, esse sim o melhor amigo e o melhor irmão do mundo. Acho que somos felizes os dois. Acho que nos bastamos. Pelo menos, até agora tem chegado, até porque o Lininho nunca me disse que era infeliz e, em segredo, eu pensei muitas vezes que, se eu fosse ele, seria certamente infeliz.
Os meus amigos falam da Margarida como se falassem de uma pessoa muito estranha. Talvez por ela ser diferente e jogar connosco. Eu sempre gostei mais das pessoas estranhas. Surpreendem-nos, mostam-nos coisas diferentes, falam de assuntos de que nunca nos lembramos, reparam no que mais ninguém repara e dão valor ao que pouca gente dá. As pessoas estranhas são as que mais sabem sobre o que eu sinto. É pena que não haja uma pessoa estranha que perceba mesmo tudo. Se a Margarida percebesse tudo, eu pedia-a em namoro, assim só gosto dela e sou feliz, em segredo, com a sua estranheza.
Martins, Pompeu Miguel. Ficar. Fafe: Editora Labirinto, 2012, p 29.
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