" E tu?" Falara com uma certa ansiedade, porque, de repente, a ideia de a filha gostar de um homem lhe pareceu quase monstruosa. "E tu?", repetiu.
Lisa, porém, sossegou-a. Riu um pouco, encolheu os ombros. "Não, está descansada. Gosto que ele goste de mim, é tudo. Ainda me sinto muito nova para criar problemas. Quero divertir-me." Ficou um momento pensativa e depois declarou: "Sabes, mãe, creio que nós, a gente nova de agora, temos uma coisa que vos faltou. Sabemos que é preciso aproveitar o tempo. Vocês..."
Dora perguntou-lhe: "Mas o que sabes tu de nós? "
"Calculo. Nós sabemos que a juventude é curta e tem de ser aproveitada porque aos trinta anos tudo acabou. E aproveitada da melhor maneira. Pensando no futuro, talvez. É importante, o futuro."
"Pensarás de maneira diferente quando os tiveres, disse Dora, que não ouvira as últimas palavras de Lisa. "Hás-de adiar o fim para os quarenta, depois para os cinquenta. E assim nunca te sentirás velha."
"Pensas assim, tu?"
"Oh, eu..."
"Mas a juventude, onde está?", prosseguiu Lisa. "Perdeu-se, de qualquer maneira. Então... Tu, por exemplo... Rejuveneceste, muito bem. Mas o que aproveitaste da vida? Até agora, quero dizer..."
Era uma pergunta difícil para aquele dia. Dora Rosário, porém, dominou-se, conseguiu responder aquilo que teria respondido antes da conversa nocturna com a sogra: "Fui feliz com o teu pai."
Lisa duvidou gentilmente: "Sim, talvez. Mas achas que basta para a vida de uma pessoa oito ou dez anos de felicidade, se assim lhe queres chamar? E o que veio depois? As dificuldades, tudo isso? A vida tem de ser toda aproveitada, é o que nós sabemos. Só me quero apaixonar por quem eu quiser. Por alguém que me garanta segurança, compreendes?"
Dora Rosário disse: "Os rapazes da tua idade nunca podem fazê-lo, a não ser muito excepcionalmente", e Lisa assegurou com ar sonhador e um tanto sibilino: "Por isso mesmo."
As raras conversas a sério que tivera com Lisa haviam-lhe deixdo sempre, como aquela, um travo na boca. A filha parecia conhecer a vida antes de a ter vivido, parecia liberta de todos os espantos antes de se ter espantado.
Carvalho, Maria Judite de. Os Armários Vazios. Mem Martins: Pub. Europa-América, 1993, pp 52 - 54.
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