14/07/13

 
 
 
Ari tem cabelos aloirados e encaracolados e pés pequenos. Usa botas demasiado grandes para os seus pés para que ninguém repare que tem pés de cabra, pés demasiado pequenos, demasiado minúsculos. O cão nota a aproximação de Rosa, levanta-se e ladra. O pastor ergue-se e encosta-se a um sobreiro. Tira um cigarro e acende-o. Rosa aproxima-se. Traz um saco com arroz e um sorriso. Parece feliz, e o pastor sorri para dentro. Não o faz para fora para não perder o charme. Encosta um dos pés à árvore e dá três passas de seguida no cigarro, semicerrando os olhos enquanto olha para Rosa. Com o indicador dá um piparote no cigarro deitando-o fora. Rosa chega ao pé dele ofegante e bem-disposta, pousa o saco e atira-se para os seus braços. Ele estremece, mas faz-se viril e nem sorri, apenas se penteia. (...) Ele limpa a boca à manga da camisa aos quadrados e agarra-a pela cintura, derruba-a, cai em cima dela como um pôr-do-sol, levanta-lhe a saia e tenta tirar-lhe as cuecas. Não é fácil e acaba por sentir algum embaraço com a sua falta de jeito, especialmente porque Rosa se queixa de que ele a magoa, de que é demasiado bruto.(...)
  O pastor não percebe aquela antipatia. Gosta da natureza e da selvajaria que o cerca. Não se incomoda com os cheiros, com a sujidade, porque é isso que é a natureza, um lugar sem higiene nenhuma, cheia de bichos e de terra e de coisas desorganizadas. É o oposto dos jardins e das cidades e das hortas e do cimento. A natureza é o maior inimigo do homem civilizado. Mas o amor pode muitas coisas e, desde que se deita com Rosa, Ari passou a tomar banho quase todos os dias, ou pelo menos uma vez por semana.
- A minha avó está muito doente.
- Está velha. Não há nada de mal nisso.
- Tenho medo de ficar sozinha.
- Eu estou aqui.
- Não é a mesma coisa.
- Eu não morro.
- Não morres?
- Não morro. Que é para não te deixar sozinha.
- Toda a gente morre, Ari.
- Eu não.
 
 
     Cruz, Afonso. Jesus Cristo bebia cerveja. Carnaxide: Santillana Editores, 2012, pp 104 - 105.
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