O Pacaça pôs mais café ao lume, a primeira vez que fui ao munhungu do Bairro Operário era o velho Jacques que tomava conta daquilo, foi na véspera de fazer doze anos, o meu pai escolheu uma preta e disse-lhe, dou-te o dobro do que vales para me transformares este rapaz num homem. Eu já sabia ao que ia e nos últimos dias não tinha pensado noutra coisa mas quando me vi no quarto com a preta fiquei tão assustado que não sabia onde me meter. Passado um quarto de hora o meu pai bateu à porta, isso vai ou não vai. Tive medo que a preta contasse ao meu pai que eu nicles pataticles, mas a preta respondeu como se estivesse afogueada, é mais homem do que muitos de barba feita, tem a quem sair, disse o meu pai satisfeito do outro lado da porta (...). Ficámos no quarto, eu deitado na cama a olhar para uma gaiola de papagaios que estava pendurada no alpendre e a preta a pintar as unhas e a contar-me histórias do quimbo onde vivia antes de o velho Jacques a ter descoberto e trazido para a cidade.
(...) Acordei com o meu pai a bater à porta. Nem vendo a minha cara ensonada desconfiou, um homem também se cansa, disse. No caminho para casa deu-me os conselhos que um pai tem de dar a um filho, os mesmos conselhos que mais tarde dei ao meu filho...
(...) Depois de me ter dado estes conselhos o meu pai nunca mais tocou no assunto e se se cruzava comigo no munhungu fingia que não me via. Era um homem bom, um homem respeitador, disse o Pacaça comovendo-se, um homem que me ensinou a respeitar toda a gente, brancos ou pretos tanto fazia. Era um homem dos que já não se fazem.
Cardoso, Dulce Maria. O Retorno. Lisboa: Edições tinta-da-china, 2012, pp 202 - 204.
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