22/07/13

 
 
  Os cabeças rapadas.
  Tinham jantado na Outra Banda. Em casa do Gaspar, que ia assentar praça em Tancos.
  Ao café, lembraram-se dos Dogue Dócil. A vocalista e o namorado eram amigos de alguns deles. Xonas, Ferra, João Cigarra.
  - Vão tocar às Palmeiras.
  - E o estupor deixa a chavala ir lá?!...
  - Um coio de blacks!
  - Monhés...
  - ... de maricões a enrabarem-se uns aos outros!
  Mais! Propaganda vermelha e antimilitar. O Ferra tinha um dos mangas debaixo de olho.
  - Mais do que um!
  O gajo que aparecia nas esquadras e no SEF, logo que lhe cheirava a brancos malhando nos pretos. E outro.
  Um cota que, há quinze anos andava nisso dos SUVs! Tem uma miúda portuguesa, mas anda sempre de mistura com cabo-verdianas...
  Tudo o que fosse galdéria de cor.
  - Bora lá, Ferra!
  - Bora!
  Passou a faca ao João Cigarra. E a recomendação: ter presente o que se treinara, nessa tarde.
 
  O Alex avistou-os, pelas janelas do salão. O João Paulo pelas do primeiro andar.
  - Dois gajos à porrada com a nossa malta... já quase cá dentro!
  E a rirem-se dos bocados de mangueira que o Zé tinha na mão.
  - Atirei-lhes lá de cima com uma cadeira...
  Despedaçara-se no chão, sem atingir ninguém.
  E o João Paulo metera pelas escadas. Sem saber como, trespassara a confusão que ia no patamar.
  - Chego cá fora, e o Zé...
 
 O Zé da MESSA tombado rente à parede.
(...)
  O Ferra com um bocado da cadeira na mão, a querer acertar-lhe na cara. E ao mesmo tempo, a dar ordens: "Pisguem-se! Todos!... Uns para o Terreiro do Paço, outros para Belém!..."
  Gorros enfiados à pressa. "Lembrem-se: ninguém tinha estado aqui antes!... Nem conhecia o gajo que levou a naifada!"
  As Dr. Martens batendo a calçada em todos os sentidos.
(...)
  Ah! Mas o que nunca se esquece.
  A ambulância a caminho do hospital. São José era já ali, virando, subindo.
  "O Zé ao meu lado..."
(...)
  Mas ainda gritou: "bute daí!"
 
  "Bute lá, Zé!"
 
 
     Beja, Filomena Marona. Bute daí, Zé! Lisboa: Sextante Editora, 2010, pp 245 - 248.
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