Hoje acordei muito angustiado, o peito a doer com a dor surda que dificulta a respiração, a ferida da alma a sangrar, hoje é Domingo.
Já se sabe que o Domingo é o pior dia, muitas vezes o sofrimento mental começa logo no Sábado à noite, antecipando o dia infernal que lá vem, Pedro sabe que é o dia em que preciso mais da atenção dele, dos carinhos, da voz, preciso muito da voz dele, das mãos, do sorriso, nunca fazemos amor ao Domingo de manhã porque ambos sabemos que o meu pensamento está imerso em angústia e dor.
Acordo sempre muito cedo e levanto-me de imediato porque se fico na cama a angústia vai aumentando rapidamente, não acordo Pedro porque preciso de viver sozinho a angústia por algum tempo, tomo a medicação de rotina (...) um pensamento desvairado, sem travões, vem à cabeça um pouco de tudo, porquê este sofrimento, porquê eu, porquê ainda, passados quarenta anos, porquê ainda, tendo o colo de Pedro há vinte anos, porquê ainda, quando já nada escondo a ninguém, sinto um enorme cansaço mental para o qual não encontro descanso, e hoje não me apetece sair de casa, não consigo ler (...). Estava a pensar que a memória é o nosso pior inimigo, Pedro, era tudo tão mais fácil se não nos lembrássemos de nada, passou, passou, mas ela insiste em nos lembrar dos piores momentos, e, o que dói ainda mais, dos melhores momentos, quando se está angustiado como eu estou, a recordação das coisas boas aumenta a angústia, que bom que foram aqueles tempos, aquele dia, aquela noite, e vem então o medo, o terrível medo de que não haja mais bons momentos, de que o futuro não exista, que só haja algo muito negro e sem qualquer sentido, que nos aponta, sorrindo, o caminho da loucura.
Pedro ouviu-me com uma expressão aflita, ouve-me sempre assim como se fosse a primeira vez, ele sabe melhor que ninguém o que eu sofro, mas também sabe que tudo seria muito pior sem ele...
Lima, Joaquim Almeida. Ensaio sobre a Angústia. Lisboa: Gradiva, 2012, pp 64 - 65.
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