01/03/10

Mary Renault (com o cão no colo) e Julie Mullard.
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Ninguém possui os deuses. Mas há alguns que eles escolhem para mais perto de si. Não o esqueci.
Encostado a uma parede na sala de audiências em Zadracarta, observei-o numa audiência que concedeu aos macedónios(...) quando um correio entrou com mensagens da Macedónia.(...)Enquanto as abria, Heféstion aproximou-se e sentou-se a seu lado. Dei um suspiro mais forte: isto ultrapassava todos os limites. No entanto, Alexandre limitou-se a passar-lhe alguns rolos para a mão.
Não estava muito longe de mim, por isso ouvi Alexandre quando ele pegou na carta maior: "É da Mãe", e suspirou.
"Lê-a já", disse Heféstion.
Embora o odiasse, entendia porque razão as mulheres de Dario lhe prestaram honras na confusão da sua dor. Segundo os nossos cânones persas, suponho que era o mais belo; era o mais alto, com feições raiando a perfeição. Quando o seu rosto se quedava em silêncio, era de uma gravidade onde se insinuava a tristeza. O seu cabelo era de um bronze brilhante embora mais áspero do que o meu.
Alexandre abrira entretanto a carta da Rainha Olímpia. Heféstion apoiando-se no seu ombro leu-a também.
Através da minha amargura percebi que tal chocara os próprios macedónios. Os seus murmúrios chegavam até mim. "Quem é que ele pensa que é?","Claro que todos o sabemos mas não é necessário gritá-lo aos quatro ventos."(...)
Aquilo que ele possuíra, jamais voltaria a ser de outro. O seu direito era honrado; que podia ele desejar mais?(...) Nessa noite, sentia-me confuso num misto de dor e culpa. Perdi então a noção de equilíbrio e experimentei um truque que aprendera em Susa, o tipo de coisas que nunca lhe passaria pela cabeça que eu sabia...
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Mary Renault in "O Jovem Persa", Assírio & Alvim, Lisboa, 1991, pp 136 - 138.
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