29/11/10

"Mil vezes noutros tempos/ e noutras circunstâncias, "

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"Observação de Baleias"

Volumosa, enormíssima,
a cabeça do cetáceo mergulha no azul das águas,
e súbito se levanta a cauda enérgica,
formando um T,
T de Telmo,
visível um instante;
e o velho baleeiro reconhece
o veloz, impressivo monograma,
em negro forte,
que sempre julga ser a sua marca,
a sua identidade,
espargindo no ar uma chuva subtil e luminosa.

Mil vezes noutros tempos
e noutras circunstâncias,
contemplou com assombro a maravilha.
Remador bem poucos anos,
ainda jovem o fizeram
trancador de arpão certeiro,
admirado por isso, e festejado,
não só no Pico, mas nas ilhas próximas.

Tempos de glória, a que seguiram anos
de tristezas tamanhas!
Já Mestre Telmo lamentava a falta
de firmes vocações apaixonadas
em tão nobre domínio,
depois a morte de um filho muito amado
(herdeiro das funções de risco extremo)
num trágico acidente baleeiro.
Em todo o caso, agora - e não por isso,
naturalmente, mas porque diz quem sabe:
que as baleias escasseiam já um tanto -
foi a caça interdita,
num desespero de salvar-lhe a espécie.

De quando em quando,
sempre que o neto o convida
para um passeio no barco que possui
(moderno e muito bem apetrechado),
vai Mestre Telmo,
com seus binóculos de longo alcance,
sentado entre turistas poliglotas,
multicores.
Vai ver,
acompanhar de longe os belíssimos gigantes,
resfolgando,
felizes porventura,
nas ondas do Atlântico.

Chamam a isto, agora,
"observação de baleias",
vulgo Whale watching.

Norberto Ávila in "Percurso de Poeta", Edição do Autor, Lisboa, 2000, pp 60 - 62.
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