Querida Bruna:
depois de muito
contar recontar repisar
a minha impotência
para lutar contra a surda avareza
dos que nos obrigam a afastarmo-nos
.
depois de - passados 2 anos-
te recordar revisitar brincar
e mimar
saudosa
à distância
na impotente distância
.
depois de
- passados estes
dois
anos-
te reconhecer em cada cão que parava a cheirar-me
botas sapatos casacos
cada cão que
meloso
me pedia uma festa
um mimo
uma atenção
.
depois de todos estes
dois
anos
de sublime
acção
eis que me começaste a aparecer
nos sonhos.
.
não estranhei
convicta de que a razão
quadrada
me explicava, assim,
a emergência
dos recônditos e la
tentes sentimentos
saudosos
- de saudosa impotência.
Erro meu, impotente razão.
.
Foi à chegada ao centro comercial
- e só aí -
que percebi.
.
Eu explico melhor:
entrei
e dei de caras com as duas queridas amigas
que te ajudaram a melhorar de vida.
.
cumprimentámo-nos
- nada de novo
nem de estranho-
até que eu disse que era bem curioso encontrá-las
quando andava a pensar ir visitar-te:
"gostava de ir ver a Bruna", disse.
.
parca razão
mente impotente
distraída do essencial.
.
"a Bruna? deixe lá! há-de vir a ter outra cadelinha!"
ao que respondi, repetindo:
" a sério: queria mesmo, estou decidida
a ir vê-la."
.
.
silêncio.
sábio.
(que eu não escutei)
.
.
"a Bruna?... maasss... a Bruna morreu!"
.
e continuámos a conversa, amigavelmente
- eu, grata, gratíssima às almas que te acolheram.
.
Querida Bruna.
agora que (talvez) um ataque cardíaco te fez parar
a batida ao teu coração
puro e inocente
cumpre-me
dizer:
.
Obrigado, Mãe Natureza,
por cuidares, agora, da Bruna.
.
Obrigada, Bruna,
por me teres ensinado tanto
da tua
Mãe
Natureza.
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Maria Toscano (Inédito) - Coimbra, Parque Verde, 1 Novembro/ 2010.
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