29/06/13

 
 
  As ruas à noite são mais compridas, sabe-se que são. À falta de gente, as ruas esticam-se em espreguiçares de alcatrão. Os homens acalorados sabem destas e de outras coisas, mas calam-se num conluio de silêncio. Um homem acalorado caminha por uma rua e depois por outra e vai por onde vai sem saber. As ruas guiam os homens, mais do que eles se guiam a si próprios.
  Uma aragem, uma luz que promete o que nunca deu e vêem-se os homens vogando as suas barcas pesadas. Peixes cegos de fomes secretas, homens que seguem ruas com vontades de comer. Perdidos por sem. Sem saber, sem ter, sem querer, sem nada a perder.
  Um homem perde-se e crê encontrar-se, são assim os homens. À noite as coisas pequenas fazem grandes achados porque os olhos estão mirrados e há fome por todo o lado. Aqui me perco, aqui te encontro, queres olhar-me nos olhos? Diz-me o que vês e depois mente-me com quantos tens tu na cara. Ficamos quites, eu vejo o que não existe e tu que dizes o que não pensas, ninguém perde e todos ganham. Todos que somos eu e tu, é noite, somos tão parecidos... Somos? Somos, estamos aqui.
 
 
  Camarneiro, Nuno. No Meu Peito Não Cabem Pássaros. Alfragide: Pub. Dom Quixote, 2011, p 118.
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28/06/13

apresentação


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Apresentação do livro Gente Dois Reinos: Maria João Cantinho, Ana Cristina Silva
e Gisela Ramos Rosa.
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26/06/13

 
 
                               
 
 
   Se eu fechar a escotilha ficas todo lá fora, sozinho contigo, sem deuses que te aturem, és demasiado grande para chegares a mim, não tens dedos que me agarrem nem olhos de ver ao perto. As tuas ondas poderiam ser rugas se eu quisesse, sabes que o posso fazer? És um bruto desajeitado que esmaga os brinquedos e faz birras a fingir ódio. Entretanto nós passamos, baixamos os olhos e rezamos baixinho para que tu vejas e tenhas pena, mas eu rio por entre as rezas e tu não me vês.
   Gosto de te ter perto, assim como estás agora, ao alcance de te querer. Se eu quisesse juntava-me a ti e seria mar também. Mas não quero, ainda não. Tenho os meus deuses para inventar e acredito ainda em cores que não são tuas. Um dia, um dia é o tempo de tudo o que haveríamos de ter sido, e eu ainda tenho dias para mundos maiores do que tu. Se eu quisesse, tu eras um segundo pequeno de uma vida por fazer, sabes que o posso querer?
   Agora durmo, agora és noite e tens a cor de tudo o resto ( o mar não dorme, pois não?). Não sonhas, mas és sonhado e não há nada que possas fazer.
 
 
  Camarneiro, Nuno. No Meu Peito Não Cabem Pássaros. Alfragide: Pub. Dom Quixote, 2011, p 18.
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20/06/13

 
 
         "  Báltica  "
 
 
uma dureza uma noção fria de império, eu
de miragem vestida atravessando o mundo
para brincar aos camelos contigo
 
( o meu fato diamante a minha espera de pedra
musa sanguínea de sentinela que passa
comigo - )
 
hei-de escarrar-te uma página perfeita de literatura
vens para este livro, vais ser crucificado aqui
 
há-de esmolar-se mesmo a vontade romeira
a mão justa na outra, a violência privando-me
o juízo, este poema de amor até
 
mas não abrandarei os frios nem este pleito sem domo
há-de amarelecer
 
e este diminutivo susto vai sendo uma festa que acabará
eventualmente com beijos de sono nos olhos
 
e como havemos de nos ligar nupcialmente num sismo
num dia ambulado com o tempo próprio,
com uma sílaba, tu
 
chegas para te sentares à cabeceira da minha infância, eu
levanto-me com a forma de ter cabido nesse abismo -
 
não saberás quimicamente de um corpo levantado
aos ombros porque o teu ofício de pai dita que és
cardiologista, médico
 
tratas dos corações dos outros, portanto, sabes-lhes o peso
e saber isso é uma coisa próxima de morrer
e nenhuma figura de estilo
 
 
  Guerra, Raquel Nobre. Groto Sato. Lisboa: Mariposa Azual, 2012, pp 56 - 57.
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JUCUNDI  CANTUUS  NUTRICII


de mim faz uma só pelo amor que desconheço
a mínima interna das coisas a sua granítica
e outras aromáticas, eu com Lázaro à meia
porta dos exilados neste faro pelo mesmo
na noite formando selvagem, onde só posso
silêncios, eu que não cruzo o belo onde toco e sou
rasa de palavras para ser álccol à carne da tua
propagação, eu outros hábitos outras formas
de aproximação a um lugar de sermos a final hora
entre estados, eu que subirei nessa maneira bicho de chegar
e beber do mesmo charco


 Guerra, Raquel Nobre. Groto Sato. Lisboa: Mariposa Azual, 2012, p 20.
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17/06/13

 
 
 
     "  Lázaro  "


De minha aldeia fui para o deserto,
onde morei, não sei, dias ou meses,
fugi de meu nome e também de quantos
que por ouvi-lo à minha porta vieram.

Porém, onde só há silêncio e pedra,
nenhum sono me trouxe o sonho espesso
que não lembro, nem a Voz fendeu-lhe o ventre
nem me ergui de novo à luz crescente.

E a esta cidade que disseram vim
em demanda daquele cuja voz espero
diga-me a que do sonho despertei.

Mas soube aqui ele também morto e desperto.
De novo parto o mesmo, mas diverso,
que agora em busca desse outro igual a mim.


  Neves, Cláudio. Isto a que falta um nome. São Paulo: Realizações Editora, 2011, p 47.
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Decerto isto a que amor chamamos
será o intervalo de outras coisas,
um nome novo para o mesmo nada
que tanto nos habita e tanto cala.

Amor, o amor, se existe, é tão somente
a falta súbita de outra palavra,
esse frescor de um mundo inonimado,
dele o terror que nos ficou gravado.

O amor, amor, nem busca nem encontro:
nossa impotência, aquele mundo afásico
em que tudo nos era novidade.

Amor, o amor, o primeiro crepúsculo,
primeira noite (que nem noite se chamava)
de um mundo que não tinha ainda despertado.


   Neves, Cláudio. Isto a que falta um nome. São Paulo: Realizações Editora, 2011, p 25.
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16/06/13

 
 
      " Tramar "
 
 
Entre muros,
tramo a fuga.
Há muito,
calculo detalhes:
preparo a mochila,
dou força aos músculos,
visto-me de coragem.
Dia após dia,
marco a data
do grande momento.
No instante final,
apego-me à textura das paredes
- útero a proteger-me das ranhuras
que estão do outro lado do cimento.
E fico.
 
 
  Bucioli, Cleri Aparecida Biotto. Rume. São Paulo: Editora Intermeios, 2012, p 77.
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Dentro da gaveta guardados criam raízes,
incorporam-se às fibras da madeira.
Os segredos envelhecem
entre a clausura das tábuas
e o perfume do tempo em decomposição.

Enquanto as lembranças dormem
o tempo engendra histórias.
Algumas - dramas doídos,
farpas a cravar a carne.
Outras - comédias triviais.

Se abrir a gaveta
destramo os enredos.
Deixo às traças
o inebriante prazer
de decompor
os poemas tecidos.


  Bucioli, Cleri Aparecida Biotto. Rume. São Paulo: Editora Intermeios, 2012, p 45.
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15/06/13




Hay un rumor en esta distancia,
un ardid con el que tiño las palabras
con trampas que vibran
y no protegen. Hay un puerto,
húmedo y desierto, como todos los puertos
cuando no estás, y hay también un mapa,
un antiquísimo mapa sin costas
ni orillas, donde rehago
esta insoportable sed de ti
conmigo dibujando islas al otro lado
del tiempo. Hay aún -o parece
haber- un puente...un paso
amenazado: y todo esto, todo, porque
hay un rumor en esta distancia.

Victor Oliveira Mateus, Gente Dois Reinos. Fafe: Editora Labirinto, 2013 (trad. Marta López Vilar).


Lo que duele no son las rupturas, el alejamiento,
la incapacidad minando como un cáncer
oculto y certero. Lo que duele no es
la poca solidez con que se dijo
esta o aquella palabra, esta o aquella frase;
con que se insistió, a pesar de recelos varios,
en la grotesca escenificación de lo que se preveía
muy próximo a cualquier futuro. Lo que duele
no es la viscosidad de las emociones inscribiéndose
en algún mapa anticipadamente condenado,
ni tampoco la insistencia de un indisoluble
recuerdo escapando. Lo que duele verdaderamente
es despertar un día y descubrir
que nada de eso tuvo importancia alguna.



Victor Oliveira Mateus. Gente dois reinos. Fafe: Ed. Labirinto. 2013 (Trad. José Ángel García
Caballero)
 

13/06/13



    A chave do sucesso inesperado de The Crying Game ( "o jogo das lágrimas"), filme de Neil Jordan, talvez se deva à variação que propõe sobre o motivo do amor cortês. Lembremos as grandes linhas da acção: Fergus, militante do IRA que tem à sua guarda um soldado britânico negro feito prisioneiro, liga-se de amizade com este; o soldado, no momento em que se prepara para morrer, pede a Fergus que vá visitar a sua noiva, Dil, cabeleireira nos subúrbios de Londres e lhe entregue as suas últimas lembranças. Depois da morte do soldado, Fergus abandona o IRA, instala-se em Londres, arranja um trabalho de pedreiro e vai visitar a amada do soldado, uma bela mulher negra. Apaixona-se por ela, mas Dil mantém uma espécie de distância irónica e soberana. Por fim, Dil acaba por ceder perante os seus avanços, mas antes de se deitarem os dois na cama, sai do quarto por um instante e, ao voltar, traz vestida uma túnica transparente; no mesmo instante em que relanceia avidamente o seu corpo, Fergus detecta nele um pénis: "ela" é um travesti. Frustrado, repele-a com brutalidade. Comovida e em lágrimas, Dil explica-lhe que pensara que ele conhecia desde o início a realidade das coisas (na sua obsessão por Dil, o protagonista - à semelhança do público - não leva em conta numerosos detalhes eloquentes (...). Esta cena de encontro sexual falhado estrutura-se como a inversão rigorosa da cena descrita por Freud como trauma primitivo do fetichismo: o olhar da criança, ao deslizar pelo corpo feminino até ao lugar do órgão sexual, surpreeende-se ao nada encontrar onde esperava ver alguma coisa (um pénis). No caso de The Cring Game, o choque produz-se quando o olho encontra alguma coisa quando nada esperava encontrar.
    Na esteira desta revelação dolorosa, a relação entre os dois inverte-se: descobrimos que Dil está apaixonadamente enamorada de Fergus, embora saiba que o seu amor é impossível. De Dama caprichosa e soberana, transforma-se na figura patética de um rapaz delicado e sensível que experimenta um amor desesperado. É neste ponto que emerge o verdadeiro amor, amor como metáfora no sentido preciso que lhe dá Lacan; somos testemunhas do momento sublime em que erómenos (o amado) se transforma em erastés (o amante), estreitando a mão de quem o ama e "retribuindo o seu amor". Este momento designa o "milagre" do amor, o momento da "resposta do real"; nessa medida, talvez nos permita compreender o que pensa Lacan ao insistir em que o próprio sujeito tem o estatuto de uma "resposta do real". Ou seja, até ao momento da inversão, o amado tem o estatuto de um objecto: é amado por qualquer coisa que está "nele mais do que ele próprio" e da qual ele não tem consciência; nunca me é possível responder à pergunta: "Que sou eu enquanto objecto para o outro? Que vê o outro em mim que causa o seu amor?". Confrontamo-nos, portanto, com uma assimetria: não só uma assimetria entre sujeito e objecto, mas uma assimetria que significa mais radicalmente o desacordo entre o que o amante vê no amado e o que o amado sabe de si.
    Deparamos aqui com o inevitável beco sem saída que define a posição do amado: o outro vê alguma coisa em mim e quer alguma coisa de mim, mas eu não posso dar-lhe o que não possuo, ou, como afirma Lacan, não há relação entre o que o amado possui e o que falta ao amante. A única maneira que o amado tem de escapar a este impasse é estender a sua mão ao amante e "retribuir o amor" - ou seja, trocar, num gesto metafórico, o seu estatuto como amado pelo estatuto de amante. Esta inversão designa o ponto de subjectivação: o objecto do amor torna-se sujeito no momento em que reponde ao chamamento do amor. E é só por meio desta inversão que o amor autêntico emerge: estou realmente enamorado, não quando estou simplesmente fascinado pelo ágalma do outro, mas quando experimento o outro, o objecto de amor, como frágil e perdido, como sentindo que "isso" lhe falta, e o meu amor sobrevive, todavia, a essa perda.
    Devemos pôr especial atenção em não descuidar a importância desta inversão: ainda que tenhamos agora dois sujeitos amantes em vez da dualidade inicial do amante e do amado, a assimetria mantém-se, uma vez que foi o próprio objecto a confessar a sua falta por intermédio da sua subjectivação.
    (...) E talvez no próprio amor cortês, o longamente esperado momento da realização mais alta, o momento da concessão pela Dama da Gnade, da mercê ao seu servidor, não seja a rendição da Dama, o seu consentimento no acto sexual ou qualquer misterioso rito de iniciação, mas simplesmente um sinal de amor da sua parte, esse "milagre" do Objecto que responde, estendendo ao suplicante a sua mão.
    E assim, para voltarmos a The Crying Game, que Dil se encontra doravante disposta a fazer seja o que for por Fergus, enquanto este se sente cada vez mais comovido e fascinado pelo carácter absoluto e incondicional do amor dela, de tal maneira que supera a sua aversão e continua a reconfortá-la...
 
 
   Zizek, Slavoj. As Metástases do Gozo, Seis Ensaios Sobre a Mulher e a Causalidade. Lisboa: Relógio D'Água, 2006, pp 34 - 36.
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11/06/13


    Nesta fase, o nível ontológico da amizade em Aristóteles pode dar-se por estabelecido. A amizade pertence à prote philosophia, porque aquilo que nela está em questão diz respeito à experiência mesma, à "sensação" mesma de ser. Compreendemos, então, porque razão "amigo" não pode ser um predicado real que se junta a um conceito para o inscrever numa certa classe. Em termos modernos, poder-se-ia dizer que "amigo" é um existencial e não um categorial. Mas este existencial - que não pode ser conceptualizado como tal - é perpassado por uma intensidade que o dota de uma intensidade semelhante a um poder político. Esta intensidade é o syn, o "con" que partilha, dissemina e torna partilhável - desse modo, sempre já partilhado - a sensação mesma, a própria doçura de existir.
    Que esta partilha tenha, para Aristóteles, um significado político está implícito na passagem que mal analisámos e sobre a qual é oportuno voltar: (...) e a expressão aristotélica poderia significar simplesmente "ter parte no mesmo". (...) a amizade como con-sentimento do puro facto de ser. Os amigos não partilham qualquer coisa (um nascimento, uma lei, um lugar, um gosto): eles são sempre já partilhados a partir da experiência da amizade. A amizade é a partilha que precede todas as outras partilhas, porque aquilo que existe para partilhar é o facto mesmo de existir, a própria vida. E é esta repartição sem objecto, este con-sentir original que constitui a política.
    Como esta sinestesia política originária se tornou, com o tempo, no consenso ao qual as democracias confiam o seu destino, na fase extrema e extenuada da sua evolução, isso, como se costuma dizer, é uma outra história, que deixo à vossa reflexão.
 
      Agamben, Giorgio. L'amico. Roma: Edizioni Nottetempo, 2007, pp

10/06/13



    Colocada sob suspeição em todos os campos, secundada, e muitas vezes substituida por signos de outras linguagens - especialmente no universo pragmático da comunicação urgente e persuasiva - a palavra tem sido também atingida em seu próprio reduto. Não só as estruturas maiores do discurso foram tocadas: também os núcleos menores, o vocábulo, mesmo como tal, o foi. E a poesia acaba, muitas vezes, por ser feita com farrapos, com franjas de palavras mutiladas, desmontadas, remontadas, transformadas em outra coisa, sempre na busca ansiosa de uma dicção mais eficaz. Alguns dos movimentos mais recentes da vanguarda literária vivem do curioso paradoxo de tentar anular a palavra, no propósito final de pôr a nu um valor absoluto, inteiro, insistindo na exploração de suas possibilidades mais recônditas, para, em última instância, obrigá-la a dizer.
   Poetas como Renata, porém, não mutilam suas "amadas palavras". Trabalham-nas, empenham-se em fazer delas um instrumento preciso de medição da temperatura da vida. Incorporam-se à sua maturação e à maturação do mundo. Sabem com lucidez que sua forma peculiar de conjurar a angustiante complexidade do real é reduzi-lo à essencialidade da palavra.
 
 Vincenzo, Elza Cunha de. O Exercício da Poesia in, "Um Calafrio Diário" de Renata Pallottini. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002, pp 169 - 170.
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07/06/13



 UM  POEMA  DE  GENTE DOIS REINOS  NO " LOGROS CONSENTIDOS "


VER  AQUI:   www.logrosconsentidos.blogspot.com
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                 " Poema 4 "

Caminho rasgando as lacerações
E a máscara máquina!

Caem as tardes
Se as houvesse e a potência
Descansasse

Então um só nome
O que da pluralidade se erguesse
Até à ressonância dos vitrais
E se precipitasse

Alado cavalo meu com as ancas
Súbito músculo
dádiva

Elas
As que da pedra
Percorrem os séculos e pastam
Inclinadas

Abertas sobre o leite da erva

Alta noite
Eu vi a sombra pairando
E o vento do escuro
Era seu canto

Oh, a precipitação
A púbis
E o Anjo clamando a suma triangulação
Dos caminhos da Floresta


  Patraquim, Luís Carlos. o escuro anterior. Lajes do Pico: Companhia das ilhas, 2013, pp 24 - 25.
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06/06/13




                  ( Geocaching )

Espero ainda o brilho
o centro do teu sorriso
espécie de peixe-galáxia-abrasão
por nomear
por achar
( que não sei se há ).


    Moura, Ricardo Tiago. Um Gato Para Dois. S/c.: Hariemuj, 2013, p 88.
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  ( Inauguração )


Se eu me casasse
- deixaste escapar num fio de frase
e nessa manhã entendi e não quis entender
sozinho sem árvores só eu
que eras longe e muito teu
muito e bem casado com a vida
sem espaço para vendavais
pelos teus vasos fora
marquise adentro.


  Moura, Ricardo Tiago. Um Gato Para Dois. S/c.: Hariemuj, 2013, p 80.
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01/06/13


 " Poemas Não São Para Serem Publicados "



Poemas não são para serem publicados
poemas são drag queens rolando piteiras em puteiros
ou somos nós, poetas velhos de caras borradas
poetas de cinco centavos

poemas não são para serem publicados

poemas são para serem escritos
às vezes rasgados
às vezes guardados
podem ser confessionais, imorais
de vanguarda
podem ser apenas voz humílima do guarda
podem ser uma criança

mas em geral
são sem esperança
de serem publicados

poemas custam caro
e não fazem o mesmo efeito de um chope
não fazem o efeito de um baseado
poemas não servem pra trepar nem nada

nem sequer tente publicar seus poemas
faça-os voltar calados às gavetas
com eles ninguém se meta

dormirão como dormem os drogados:
tristes, gelados, pesados
mas serão sempre únicos
sempre ineditamente
mediúnicos

sempre salvos das graças das prebendas
sempre coisas pudendas (ainda que sujos)

poemas, sempre úmidos
nocivos, fim de feira
maus de venda e de vida.

Não são nem mesmo um incentivo
à leitura, pois quem vai ler linhas quebradas
oriundas de almas idem?


  Pallottini, Renata. Um Calafrio Diário. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002, pp 114 - 115.
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