10/06/13



    Colocada sob suspeição em todos os campos, secundada, e muitas vezes substituida por signos de outras linguagens - especialmente no universo pragmático da comunicação urgente e persuasiva - a palavra tem sido também atingida em seu próprio reduto. Não só as estruturas maiores do discurso foram tocadas: também os núcleos menores, o vocábulo, mesmo como tal, o foi. E a poesia acaba, muitas vezes, por ser feita com farrapos, com franjas de palavras mutiladas, desmontadas, remontadas, transformadas em outra coisa, sempre na busca ansiosa de uma dicção mais eficaz. Alguns dos movimentos mais recentes da vanguarda literária vivem do curioso paradoxo de tentar anular a palavra, no propósito final de pôr a nu um valor absoluto, inteiro, insistindo na exploração de suas possibilidades mais recônditas, para, em última instância, obrigá-la a dizer.
   Poetas como Renata, porém, não mutilam suas "amadas palavras". Trabalham-nas, empenham-se em fazer delas um instrumento preciso de medição da temperatura da vida. Incorporam-se à sua maturação e à maturação do mundo. Sabem com lucidez que sua forma peculiar de conjurar a angustiante complexidade do real é reduzi-lo à essencialidade da palavra.
 
 Vincenzo, Elza Cunha de. O Exercício da Poesia in, "Um Calafrio Diário" de Renata Pallottini. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002, pp 169 - 170.
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