Nesta fase, o nível ontológico da amizade em Aristóteles pode dar-se por estabelecido. A amizade pertence à prote philosophia, porque aquilo que nela está em questão diz respeito à experiência mesma, à "sensação" mesma de ser. Compreendemos, então, porque razão "amigo" não pode ser um predicado real que se junta a um conceito para o inscrever numa certa classe. Em termos modernos, poder-se-ia dizer que "amigo" é um existencial e não um categorial. Mas este existencial - que não pode ser conceptualizado como tal - é perpassado por uma intensidade que o dota de uma intensidade semelhante a um poder político. Esta intensidade é o syn, o "con" que partilha, dissemina e torna partilhável - desse modo, sempre já partilhado - a sensação mesma, a própria doçura de existir.
Que esta partilha tenha, para Aristóteles, um significado político está implícito na passagem que mal analisámos e sobre a qual é oportuno voltar: (...) e a expressão aristotélica poderia significar simplesmente "ter parte no mesmo". (...) a amizade como con-sentimento do puro facto de ser. Os amigos não partilham qualquer coisa (um nascimento, uma lei, um lugar, um gosto): eles são sempre já partilhados a partir da experiência da amizade. A amizade é a partilha que precede todas as outras partilhas, porque aquilo que existe para partilhar é o facto mesmo de existir, a própria vida. E é esta repartição sem objecto, este con-sentir original que constitui a política.
Como esta sinestesia política originária se tornou, com o tempo, no consenso ao qual as democracias confiam o seu destino, na fase extrema e extenuada da sua evolução, isso, como se costuma dizer, é uma outra história, que deixo à vossa reflexão.
Agamben, Giorgio. L'amico. Roma: Edizioni Nottetempo, 2007, pp